domingo, 20 de março de 2011

A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO - RUMOS E METAMORFOSES - SONIA DRAIBE



Ao longo desse texto, vamos defender a tese de que o Estado brasileiro goza de uma autonomia sui generis frente a sociedade. Sonia Draibe, em Rumos e Metamorfoses (1985), discute a relação entre a formação desse Estado e o advento do projeto industrialista.

Draibe começa a discussão sobre a formação do "Estado Industrial Leviatã" a partir das etapas da constituição do capitalismo brasileiro. Esse processo empreende três fases: (I) economia exportadora capitalista (até 1933); (II) a industrialização restringida, no período de 1933-5; e (III) a industrialização pesada, cujo período compreende 1956-61. A revolução burguesa teria três relações principais: com o passado (na questão agrária), com o presente (conflitos entre as frações de classe da burguesia) e com o futuro (as relações emergentes). As relações entre Estado e Sociedade no Brasil obedecerão ao processo de "hierarquização de interesses econômicos e políticos" (p.27) o que, concomitante a simultaneidade de processos específicos na formação da base material do Estado capitalista no Brasil, levará à formação de uma direção política nesse processo de transformação, a qual vai variar de acordo com as hierarquizações de interesses sociais e políticos.(pp.11-27)

O Estado capitalista moderno em formação encontra sua gênese no Estado de Compromisso, que é fruto da crise agrária da república velha (1889-1930) a qual encontrara seu fim na Revolução de 30. Entretanto, o quadro nesse momento é, além da crise do complexo cafeeiro, a falta de hegemonia, a dependência das classes médias com relação ao Estado e da pressão popular devido a crise econômica. Nesse quadro, o Estado aparece como árbitro de interesses entre o capital e o trabalho, uma vez que aquela falta de hegemonia fez com que nesse momento o Estado se constituísse como autônomo frente aos interesses dominantes. Draibe chamou de via prussiana para o desenvolvimento a modernização conservadora manifestada no período. (p.22)

Draibe coloca como resultado do desenvolvimento mercantil-exportador uma divisão social do trabalho em três setores históricos fundamentais, quais sejam: a burguesia mercantil exportadora, a burguesia industrial e o proletariado. Esses setores históricos são capazes de ordenar o conjunto da sociedade, o que os destaca dos outros. Dessa maneira, a estrutura da luta de classes estava apoiada na economia cafeeira (cujo complexo exportador levou a uma divisão do trabalho social e a reprodução ampliada do capital, dentro de um regime de acumulação) e nas formas de organização desse capital, que foram duas:uma (a), na cidade; e outra (b) no campo. O café levou a uma diferenciação crescente, o que impulsionou a divisão do trabalho na cidade, criando uma classe média tradicional (a1), e(a2) as baixas classes médias. (pp.23-34)

Porém, com o detalhe de que o café precisava da interferência do Estado como aglutinador de capitais[2], o que levaria a uma base para a "via conservadora" do desenvolvimento. Por essa via, foi possível a conformação de interesses entre campo e cidade. (pp.34-5)

O caso brasileiro de modernização conservadora prescindiu a necessidade de uma queima de etapas. Entretanto, Draibe coloca como problemas desse desenvolvimento acelerado as relações desiguais entre o Estado e o capital estrangeiro, as dificuldades ( e mesmo a necessidade) das políticas de suporte, a necessidade de cautela frente a um processo problemático e delicado, e a transição para a indústria com novo eixo de acumulação. As relações com o capital estrangeiro operaram em duas fases: uma primeira, enquanto fluxo de capital de empréstimo; e uma segunda, como investimentos diretos. Os principais atores desse processo foram o Estado, a burguesia industrial brasileira e o capital internacional. A discussão do período foi acerca da margem de atuação do Estado, pensando também na permissão de entrada do capital estrangeiro no processo, e como se daria. (pp.36-7)

Assim, a atuação do Estado no processo ocorreu principalmente por meio das empresas públicas. Foram dois os desdobramentos desse processo: a aceleração, pela via estatal, do desenvolvimento das forças produtivas, com a conseqüente alta dos salários reais; e a necessidade de uma reforma fundiária dentro desse desenvolvimento[3] (DRAIBE, pp.38-9).

Será num campo fragmentado e heterogêneo, formado por diversas vontades de dentro e fora do Estado, na conjuntura das lutas políticas entre os setores históricos fundamentais (proletariado, burguesia mercantil e burguesia industrialista), que aparece a autonomia do Estado frente a sociedade. O Estado aparece aqui como um reequilibrador de interesses. Entretanto, a autonomia do Estado encontraria limitações.

A primeira delas reside no fato de que o Estado tinha sua autonomia orientada em hierarquizar os interesses sociais. O núcleo dirigente orientava a ação estatal, e essa orientação foi direcionada pelas lutas travadas dentro do Estado, tais como na comissão de planejamento econômico – na conhecida controvérsia entre Simonsen (desenvolvimentismo do setor privado) e Eugênio Gudin (liberal, defensor da tese de "vocação agrária" da economia brasileira)[4] . A partir daqui, podemos inferir que a organização do Estado e suas relações com a sociedade passam a ser de um caráter fortemente corporativo, visto que o Estado absorve os conflitos sociais, para num segundo movimento os regular. Draibe ressalta que a industrialização no Brasil implicou na aquisição por parte do Estado de estruturas capitalistas. (pp.43-5)

A partir daqui as lutas entre o capital e o trabalho passam necessariamente por dentro do Estado, que por sua vez filtra os conflitos particulares e os interesses. Assim, a definição de um projeto político para o Brasil a partir daqui torna-se o lugar da autonomia do Estado, e a conformidade da unidade política nacional. Entretanto, o aparelho de Estado não é monolítico, tampouco coeso, e coloca a (tecno)burocracia no centro dos conflitos. O processo de consolidação do Estado "Leviatã" brasileiro se operou no período 1930-60, e foi um processo desigual e descontínuo. (DRAIBE, pp.49-54)


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