sábado, 16 de abril de 2011

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - SEMIÓTICA, PROPOSIÇÕES, TRIÂNGULO SEMIÓTICO, NORMA, PALAVRA, IDÉIA E SENTIDO, DOGMÁTICA

Introdução ao Estudo do Direito (Alaôr Caffé)

Conhecimento: palavra genérica, abstrata. Envolve vários segmentos possíveis. Acrescentando-se um adjetivo, transforma-se completamente a ideia de conhecimento. Ex: conhecimento jurídico = SINTAGMA (adjunção de uma palavra com outra, adjetivando-a)

Semiótica: teoria do sentido.

Não há como tratar o Direito sem manipulação dos sentidos.
•    O conhecimento intelectual só pode ser entendido e não imaginado.
•    A relação de conhecimento pode ser objetiva (ideal da ciência) e subjetiva (que não pode ser eliminada de todo, os acidentes subjetivos sim devem ser eliminados (sentimentos com relação ao objeto, independentemente dos nossos desejos e ideologias).
•    A língua constitui, elabora o pensamento. Sem ela, não há pensamento. E não há pensamento sem a sociedade. O prejuízo para ação contrária será religioso.
•    É pelo trabalho que o homem organiza e desenvolve o mundo; o verdadeiro criador do homem é o próprio homem.
•    Se a cultura não for mantida pelo trabalho, cairá por terra. Um mundo sem ninguém é apenas natureza. O homem progressivamente transforma a natureza em cultura. Por isso a relação de conhecimento engloba o sujeito e o objeto.
•    Tirando o objeto do pensamento, o próprio pensamento desaparece e vice versa. A relação entre o sujeito e o objeto é tal que o pensamento depende dos dois. (relação dialética)

    Relação dialética: seres são independentes e dependentes ao mesmo tempo, um só existe por causa do outro.

Direito como normas (racionalistas, idealistas) – conhecimento intelectual- resumem o Direito à sua ideia (ex. Kelsen, é normativista e idealista: entende Direito como conjunto de normas);
Direito como relações sociais (realistas, materialistas) - são materiais, pois são vistas e percebidas; Direito como objeto, como realidade – conhecimento sensível

Norma para Kelsen diz respeito à expressão de um “dever ser”. A norma implica portanto estabelecer como deve ser uma conduta humana. Não de descreve, portanto, como deve ser o mundo social e sim implica PRESCRIÇÃO = função controladora da vontade humana.

Uma norma prescrita tem por objetivo declinar, determinar o comportamento humano.
O mundo normativo é possível porque agimos teleologicamente.

Toda norma pressupõe a possibilidade de violação, pois a vontade pressupões liberdade.
Uma norma não funciona quando a liberdade não é livre (por isso, algumas pessoas que cometem crimes não vão para a cadeia e sim para manicômio: elas não possuem uma liberdade livre, consciente, tanto que cometem o crime fora de si)

A norma também pressupõe a sanção (consequência), sem a sanção, a norma não atingirá a eficácia.

A Teoria do Direito DESCREVE normas, e não as prescreve.

Por isso a Ciência do Direito não diz respeito à prescrição, pois ela não se refere à vontade dos homens, apenas descreve o Direito.

O que interessa à Ciência, portanto, é esclarecer o mundo, e o objeto sobre o mundo, entendê-lo racionalmente e logicamente o mundo; a Ciência nunca é normativa e sim teórica e como tal, não se confunde com o eu objeto de Estudo. A Ciência Jurídica estuda, portanto, o Direito, que é feito pela autoridade competente, e não pelo Cientista.

Essa descrição é chamada de “proposição”.
Proposição: juízo para descrever as normas.

A ação só se torna jurídica por causa de uma norma, que determina uma sanção.

Relação causal: princípio de causa e efeito (leis da natureza) – ENGLOBA REAÇÃO NATURAL- NECESSIDADE
Relação teleológica: relacionada à finalidade; os homens agem segundo os fins, age-se segundo um projeto, uma finalidade (reação racional); os animais não fazem planos, agem sob impulso – ENGLOBA REAÇÃO SOCIAL – LIBERDADE

    os realistas entendem que a relação social leva à norma;
    estudiosos naturalistas entendem a norma como algo natural.

Não se deve confundir a descrição de uma coisa com a coisa em si. Ex: não se pode confundir a Lei da Gravidade com o fenômeno da gravidade em ação.

O mundo é fundado no mundo das ideias.

A ideia é uma estrutura de sentido e embora sejamos diferentes um do outro, nos identifica como semelhantes na ideia (todos são iguais perante a lei...), participamos da mesma forma! - a noção de Direitos Humanos explica bem essa ideia. A ideia do bonito, feio, branco, negro, é acidental do ponto de vista da filosofia.

Somos todos fenômenos no mundo, participamos de todas as formas e essências. O sujeito suporta os acidentes (fenômenos) do mundo; quando algo não faz nada no mundo dos fenômenos, a realidade desaparece. Esse algo passa a não existir. Somente os fenômenos, a realidade, portanto, existem – ideias realistas.

Raciocínio: relação de juízos.
Juízo – entendido como proposição.
Todas as teorias são formadas de proposições.

As proposições são passíveis de verdadeiro ou falso. No entanto, as proposições jurídicas são ou não vigentes: não há verdadeiro ou falso no campo do Direito.

Normas: são enunciados da autoridade; a norma diz o que deve ser o mundo; as normas são também instrumentos de poder, de subordinação, tem sentido de obrigar as pessoas a se submeter às suas regras.

SEMIÓTICA: teoria do sentido.
    apresentada por Charles Pierce, que inventou a palavra semiótica.
    No inicio do séc. XX, um pesquisador suíço, Saussure, inventou a palavra semiologia.
    Górgias, pré-socrático, sofista, dizia que: “Nada existe. Ainda que existisse, não poderia ser pensado. Ainda que fosse pensado, não poderiam ser dito”.
    Tais ideias precedem as de Platão.
    Não emitimos essências e sim palavras.
Triangulo semiótico: palavras, ao enunciadas, nos remetem à ideias e estas nos remetem às coisas.
   
Não há signo sem sentido; todo significante tem que nos dar, portanto, o sentido: a palavra deve possuir um sentido. Numa língua que não conhecemos, os signos não significam nada para nós. Mas para os falantes daquela língua, tais signos (palavras) possuem sentido. Só passa a ser signo quanto remete à um significado. Ou seja, o signo remete a ele mesmo, ou seja, à palavra, à sua essência: um é pelo outro. Se a palavra carregasse em si mesma a essência, o significado, não existiria problema de língua estrangeira, ao ouvi-la, automaticamente já teríamos o seu significado. Por isso há diferença entre palavra e sentido. Para que a palavra seja menos que apenas um som ou texto escrito, ela deve REMETER à um conceito, à um sentido. Logo, não existe palavra pura, em si mesma, sempre nos remete, como signo, a um significado, um sentido. Tampouco, existe sentido sem palavra, significado sem significante. Ambos são co-existentes. UM NÃO É OUTRO, MAS SIM PELO OUTRO.

Palavra não é ideia, conceito, sentido, mas é pelo sentido, pelo conceito; de outra forma, não há signos, sentidos, conceitos, sem a palavra que os suporte.
Não se tira o dever ser do ser. Isso enseja as idéias de Kelsen e considerações entre a norma e o mundo. Não existe uma relação entre as normas e o mundo natural especificamente, visto que os fenômenos naturais são ligados à causalidade e a relação do dever ser é de finalidade, de busca teleológica referente à questão humana. Por isso é difícil entender que a natureza tenha fins.

Semiótica > triângulo semiótico > estrutura de sentido = VISANDO ENTENDER A NORMA.

Sofistas: existe diferença entre sentido da linguagem e a realidade. Em relação ao direito, uma coisa é o texto que expressa a norma, o sentido (há vários deles) dele que é a própria norma e que é escolhido por um ato de vontade (decisão) e outra coisa é a referente (a realidade, o mundo).

- A decisão escolhe o sentido. O sentido não é a decisão. Se a decisão escolher o sentido A, a norma é A, se a decisão escolher o sentido C a norma é C.

CADA CIÊNCIA JURÍDICA É CHAMADA DE DOGMÁTICA

Só se faz ciência falando de linguagem. A ciência jurídica é uma linguagem sobre as normas. A ciência jurídica, portanto, é uma metalinguagem, uma linguagem sobre outra linguagem.

Ex: penal, civil, constitucional, processual civil e penal, administrativa, etc. A dogmática é o campo da ciência jurídica e é específica a cada matéria. Todas as dogmáticas apresentam o conceito de sanção. Todas as dogmáticas pressupõem um sujeito de direito.

A teoria geral do direito, por outro lado não é dogmática, não trata das normas específicas, quem trata delas são as dogmáticas. A teoria geral do direito trata de traduzir as normas, responsabilidades normativas, direitos objetivos e subjetivos. Ela diz respeito à todas as dogmáticas em geral e não em particular.

A teoria geral do direito NÃO TRATA DE NORMAS e sim de categorias utilizadas pela dogmática jurídica. O ramo do saber que se refere às normas são as dogmáticas jurídicas.

NORMAS > DOGMÁTICA JURÍDICA > TEORIA GERAL DO DIREITO

As dogmáticas não tratam das relações sociais, pois não tratam da realidade. Esse campo é da sociologia, da história, da economia e etc. As dogmáticas, portanto, não tratam do mundo diretamente, do mundo real, do mundo do ser. As dogmáticas tratam das NORMAS que se referem à esse mundo real. As ciências jurídicas, portanto, não tratam do mundo real e sim das NORMAS > perspectiva kelseniana.

Alguns pensadores não admitem que o direito trate somente de normas, que ele quanto ciência deve tratar das relações humanas. Acham que a ciência jurídica é mais extensa que o mundo das normas apenas. No entanto, Kelsen considera as normas e não o mundo real.

Há um conceito de ciência do direito formal, portanto relacionado à norma, portanto conceito mais estrito de direito e outro que acha que a ciência do direito trata da realidade das normas, sendo mais amplo.

A ciência tem suas raízes ideológicas baseadas nas classes sociais. Entre os mais ricos e os mais pobres.

Para Kelsen, justiça e direito são coisa bem distintas. A justiça é valor, o direito é algo posto pelos burgueses, por quem tem mais apelo econômico na sociedade. O mundo não é uniforme, não há igualdade.

O direito não pode ser identificado como as coisas da natureza. Só pode haver direito se houver norma. No mundo não existe assassinato e sim a morte. O que classifica determinada morte como assassinato é uma norma criada baseada nesse referente, que o qualifica como homicídio. O ato de matar é sempre o mesmo, a qualificação em cada caso é diferente porque existem normas diferentes que qualificam cada ato de morte, como assassinato, execução, legítima defesa, etc.

Por isso não existe na realidade o assassinato em si, que não tem significado jurídico em si mesmo e só o terá quando existir uma norma que qualifique esse fato como jurídico.

A norma é FUNDAMENTAL para qualificar o ato material e ela não é o ato material, pois este é o ser e a norma é o dever ser, é como devo considerar aquele ato. Kelsen diz que a materialidade não diz o direito, o ser não diz o direito, há a necessidade da norma para qualificar o fato (mundo do ser) como jurídico (mundo do dever ser).

Quanto ao valor, não deve ser confundido com o direito. Um fato injusto continua sendo jurídico, pois pode existir um ato injusto mas nem por isso ele é ilícitio. Pode ser que um ato concreto seja imoral, ruim, mal mas não é ilícito, não é anti-jurídico (Kelsen). A justiça não justifica coisa alguma. O direito não pode ser ajustado às valorações.

Mas o que está escrito ainda não é o direito, pode ser base material (fatos) para buscar o sentido possível. Se o direito não é o texto escrito, não é a conduta material e nem o valor, o que é o direito? Onde está ele?

DIREITO = LINGUAGEM

As normas são passíveis de serem estudadas, por um conjunto de proposições que descrevem as diferentes dogmáticas. As dogmáticas que são fragmentos da ciência jurídica tratam de um determinado conjunto de normas de forma específica.

Os príncipios gerais, aplicáveis à todas as dogmáticas são de teoria geral do direito. São conceitos categoriais, mais gerais dos ramos do direito, não podem deixar de existir em qualquer campo dogmático. Ex: norma jurídica.
O DIREITO NÃO SE CONFUNDE COM OS FATOS E OS VALORES

ELE NÃO É  TEXTO, NÃO É O FATO NEM O VALOR. O QUE É ENTÃO O DIREITO? ONDE ELE ESTÁ? – tal questionamento é a grande problemática da compreensão do direito.

SEMIÓTICA: interpretação da linguagem, que tem sentido fundamental para o Direito.

A vontade quando é qualificada pelo dever ser passa a ser uma vontade jurídica.

NORMA = SENTIDO OBJETIDO DO ATO DE VONTADE

DEVER SER: Toda norma implica uma diretiva (direção), que implica a possibilidade de outras direções, que podem ser proibitivas; O contrato, por exemplo, é uma diretiva, que possui uma diretiva que expõe o não descumprimento deste. A direção engloba sempre a liberdade, de seguir uma decisão. A forma de ação aqui é teleológica (finalidade), e não de causalidade: é de meios para se chegar a certos fins; a sanção está no nível da teleologia e todo Direito pressupõe norma; se desaparecer o homem desaparece também o dever ser; a cultura humana também está englobada no dever ser, posto que o homem é o único ser que tem história e pode construir uma cultura.

ESPÍRITO: engloba a linguagem; sem espírito não há pensamento e este se projeta na cultura formando as coisas concretas.

HOMEM: não é um ser puro, é um ser enquanto deve ser; possui dignidade.

SER: A principal forma básica do ser é a causalidade, relacionada com a necessidade.

Hume: Diz que não se pode fazer uma relação entre o ser e o dever ser, e via a relação D'uma forma muito estática, durante muitos séculos (XVII e XVIII); ele influenciou Kelsen e Kant. Tais pensadores entendem que há um corte epistemológico entre ser e dever ser. Logo, ambos são separados, Hume diz que o dever ser não veio do ser, e considera os fatos como fotografias e não como dinâmica histórica. Diz que do que é não se tira o que deve ser: “se uma coisa é não quer dizer que deva ser”. Isso implica a imperfeição do ser humano. A norma, portanto, é o diretivo para que o homem atinja a sua perfeição.

Para Hume: O único ser que sendo ser também é dever ser é DEUS. Sendo infiníto, imutável e perfeito, é enquanto deve ser e deve ser o que é: ele é COMPLETO. Ao homem cabe a possibilidade do dever ser porque ele é imperfeito, pode ser aperfeiçoado.

NORMA: não serve para descrever ou explicar coisa nenhuma: apenas se dirige à vontade, à incliná-la, fazer com que alguém faça o que a norma determina em seu conteúdo; ela não pode ser verdadeira ou falsa e sim determina o que deve ou não ser. Ela prescreve. As proposições de ser é que são descritivas, as do dever ser são prescritivas. Uma lei não serve, portanto, para explicar o mundo, ela não possui função pedagógica e sim determina como o mundo e as ações humanas devem ser.

NORMA JURÍDICA: estrutura de sentido a partir da interpretação do texto.

SIGNO: sempre está referido a uma idéia, conceito, sentido, significação. O significado tem relação com o signo, que é o significante. As palavras apontam para o sentido mas não são o próprio sentido, como signo, elas não são, portanto, o próprio sentido. Logo, sua característica principal é remeter ao sentido, e não confundir-se com este: um não é o outro, mas sim, pelo outro (não há conceito sem palavra e nem palavra sem conceito). Um signo, contudo, pode se referir à várias idéias e signos diferentes remeterem à mesma idéia.

MONITORIA DE IED ANTES DA PROVA:

TÓPICOS:

1)    Teoria do conhecimento:
a)    O que é e como podemos conhecer?
R)  Conhecimento é a operação pela qual um sujeito se representa um objeto (diz a si mesmo o que o objeto é).

Portanto, há 3 elementos necessários ao conhecimento: o sujeito, o objeto e a representação do objeto. O sujeito cria em seu pensamento uma significação para o objeto, que pode ser expresso pela linguagem.

O que se busca conhecer não é o objeto na realidade, mas sim a representação do objeto, que nada mais é do que uma forma. Kant diz que não se pode conhecer o objeto em si mas sim a representação dele em nosso pensamento. O conhecimento nada mais é então do que o conceito feito a respeito da representação de um objeto. O sujeito cria no pensamento uma representação, isto é, uma significação, um sentido do objeto. É por isso que chega-se a Górgias: essas três coisas são essenciais para alcançar o conhecimento, elas se relacionam mas não são as mesmas. Pensar num objeto, pensa-se num sentido do objeto e ao explicar esse objeto para alguém, usa-se a linguagem (uma forma de explicar) para dizer o objeto.

GÓRGIAS: não podemos confundir realidade, pensamento e linguagem. Por isso delineamos o triângulo semiótico, que é composto de SENTIDO, SIGNO(palavra) e REFERENTE(realidade).

Todo conhecimento do mundo pode ser explicado pelo triângulo semiótico pois todo conhecimento pressupõe realidade (referente), pensamento (sentido) e linguagem (signo). Tal triângulo nos dá o que precisamos para atingir o conhecimento verdadeiro. Quando se pensa em sentido, se pensa em FORMA. A verdade para os antigos era a adequação do pensamento (sentido criado pelo pensamento) à realidade. Mas notou-se que alguns elementos que tinham manifestação na realidade não tinham um referente. Surgiu a dúvida de como conhecer tal objeto, como por exemplo o Direito, a Norma Jurídica. O problema do conhecimento das coisas que não têm um referente fica sem saber se o sentido da coisa é verdadeiro, pois não há como adequar tal sentido à realidade.

Partindo do triângulo é possível discutir a questão da verdade do conhecimento: se o que pensamos não é o objeto, como saber se pensamos corretamente?

R: saberemos adequando o pensamento à realidade.

PROBLEMA: e se o que pensamos não tem um referente empírico? Ex: Direito, que ninguém vê e ninguém conhece. O texto normativo seria o direito?

R: O direito não é apenas o signo.

KELSEN: norma é uma estrutura de sentido. Ela só pode ser entendida, pura, enquanto estrutura de sentido, enquanto algo que existe não na realidade, mas sim no mundo ideal. Por isso Kelsen cria o mundo do dever ser, que nada mais é do que algo parecido com o mundo das idéias de Platão.

Mundo das idéias: algumas idéias nunca terão referente, uma expressão exata na realidade e nunca serão encontradas na realidade pois a ideia, a essência, se basta por si mesma, só existe no plano das ideias. O que se vê na realidade são tipos de um objeto, mas que não dizem exatamente a essencia do objeto, que nunca será enxergado na realidade mas pode ser entendido por meio da razão. A essência do objeto então pode ser vista a partir da razão.

Algumas idéias são essenciais, estão no mundo das ideias e não precisam existir na realidade para serem verdades. A existência delas é independente da realidade, ou seja, quando Kelsen diz que uma norma é válida mesmo que nunca tenha sido usada na realidade, a ideia é essa aqui expressa. Kelsen diz que para conhecer o direito é preciso estudar algo que seja a essência do direito, algo que seja um sentido que não vá mudar nunca, então ele diz que a essência do direito é a norma jurídica e portanto, busca conhecer essa essência de norma jurídica. Por isso há as categorias do direito, que dizem como ela funciona, como é criada, quando é usada, qual a relação que ela determina. Logo, Kelsen não se preocupa com a existência da norma jurídica enquanto algo empírico, colocado na realidade. Ele precisa do texto normativo para retirar o sentido da norma, mas o texto ainda sim não é a norma jurídica.
KELSEN TRABALHA O CONHECIMENTO SEM REFERENTE, ENCONTRANDO JUSTIFICATIVA EM PLATÃO, NA IDEIA DE QUE NEM TODA ESSENCIA PRECISA TER UMA EXISTENCIA, PODE-SE CHEGAR À ESSENCIA APENAS PELA RAZÃO. KELSEN REDUZ O ESTUDO DO DIREITO AO ESTUDO DE SENTIDO, DA LINGUAGEM DO DIREITO, AO ESTUDO LÓGICO DO DIREITO, IGNORANDO AS MANIFESTAÇÕES DO DIREITO, QUE CABEM AOS SOCIOLOGOS TALVEZ, MAS NAO AO CIENTISTA DO DIREITO.

PERGUNTA: qual o referente da norma jurídica?
R: para Kelsen, a norma jurídica não tem referente.

O DIREITO SÓ PODE SER COMPREENDIDO PELA RAZÃO HUMANA, MAS NÃO PODE SER VISTO.

Ele é compreendido pelo intelectual.

CONHECIMENTO DA NORMA JURÍDICA POR KELSEN – CIÊNCIA DO DIREITO

Deve-se considerar a distinção daquilo que é ciência daquilo que é fato, é experiência do direito. Uma coisa é conhecer o direito e outra é aplicá-lo: são dois mundos diferentes, um é teórico e o outro é o mundos dos fatos.

Por meio da ciência sabe-se o que é o direito. Por meio da ciência (teoria) busca-se a verdade ou falsidade em relação ao seu objeto, ou seja, as normas existentes no ordenamento jurídico. Quando o juiz aplica uma norma jurídica a um caso concreto, se ele for ter um conhecimento científico nos termos de Kelsen, ele não o usa na realidade, pois ele analisa fatos, valores. A ciência do direito é um conhecimento puramente intelectual e não da aplicação do direito e do seu uso.

As proposições jurídicas apenas descrevem o direito.

Não interessa à prática do direito dizer como são as condutas e sim determinar como devem ser as condutas. Logo, a experiência do direito busca prescrever condutas. Por isso, o mundo da manifestação do direito é um mundo coativo. Já a ciência do direito descreve o direito por meio de proposições jurídicas. Enquanto a ciência pode dar um caráter verdadeiro/falso, as experiências têm caráter válido/inválido.

A TEORIA (CIÊNCIA DO DIREITO) NUNCA DIZ COMO DEVE SER O DIREITO PORQUE TORNAR-SE IA POLÍTICA DO DIREITO. FAZER CIÊNCIA ENTÃO É DESCREVER O DIREITO E NUNCA COMO DEVE SER O DEVER SER.

Basicamente, ao se fixar na perspectiva de Kelsen, o Direito é o conjunto de normas para controle de condutas visando sanção. Kelsen diz que o direito CRIA-SE A SI MESMO, uma ideia de que é a norma jurídica que dá validade para uma outra norma, não é o fato nem o valor que o faz. A norma dá validade para outra norma jurídica e isso constitui a autocriação do direito. O ponto alto da validade da norma para Kelsen é a norma última, a NORMA FUNDAMENTAL, que mesmo hipotética, está apenas no pensamento, não deixa de ser uma norma.

terça-feira, 12 de abril de 2011

JOHN LOCKE - SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL - ANÁLISE

Por: Pedro H. S. Pereira (Ac. Filosofia da UFSJ e Direito do IPTAN)

A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
ALGUNS PONTOS DO PENSAMENTO DE LOCKE PARA SUA
CORRETA HERMENÊUTICA:
CONTRATUALISMO X LIBERALISMO X EMPIRISMO
Três movimentos dos quais Locke foi também propulsor na idade moderna. O Contratualismo prega o surgimento do Estado a partir de um contrato no qual todos homens consentiram na sobreposição de um poder estatal através do qual a ordem e a paz entre si passou a ser mantida e garantida pelo referido poder.
Aristóteles atribui a origem de tal termo da Filosofia de um dos discípulos de Górgias, Licrofon, que dizia ser a lei uma “pura convenção e garantia de direitos mútuos.” (ABAGNANO, 1982, p.1 91)
O Contratualismo ressurge na Idade Moderna principalmente com Hobbes e Locke, após reiterada ênfase à Legitimidade Divina na era Medieval reforçada pelos Patrísticos e Escolásticos.
Sobre o Liberalismo, movimento que teve como “eixo principal o desenvolvimento da liberdade pessoal e do progresso da sociedade”(ENCARTA 2001), Locke, como será estudado neste curso, foi um de seus grandes propulsores na era moderna, à medida que a realização de um contrato entre todos indivíduos, dá ensejo ao direito destes requisitarem e fiscalizarem o poder estatal.
Quanto ao Empirismo, temos suas bases em Aristóteles, que em sua obra “Metafísica” reza que conhecemos através das experiências que temos, e que os olhos são a principal porta de entrada das experiências: “… Nós preferimos o ver, em certo sentido, a todas outras sensações [...] a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações.. .”(ARISTÓTELES, 2001, 980ª).
Locke com seu Ensaio Acerca do Entendimento Humano, volta a ressaltar a aludida assertiva, explicitando no decorrer dos capítulos, as formas e modos de conhecimento empírico, fazendo a famosa menção à “tábula rasa”, ao sustentar que nascemos sem conhecimento algum (inato).

A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
VIDA E OBRA DE JOHN LOCKE( 1632-1 704)
Nascido em 29 de agosto de 1632 (mesmo ano do nascimento de Baruch Spinoza) na cidade de Wrington, nas proximidades de Bristol no sudoeste da Inglaterra, e filho de burgueses comerciantes, Locke vivenciou um momento bastante conturbado dentro da organização político – econômica de seu país, marcada pela revolução gloriosa, ocorrida, entre 1688 e 1689 na Grã-Bretanha, na qual foi deposto
o   rei Jaime II, em favor de sua filha Maria II e seu marido Guilherme III, príncipe de Orange, responsável pela transformação da monarquia absoluta dos Stuart numa monarquia constitucional e parlamentar, o que foi fator imprescindível na formação da sua doutrina, haja visto a indispensável participação e influencias de Locke no desenrolar da mesma.
Formação Acadêmica:
Estudou em Westminister School, transferindo-se em 1652 para Christ Church College de Oxford, instituição à qual esteve ligado até fins de 1684, como associado,
e     formou-se “Master of Arts” em 1658, após bacharelar-se em artes no ano de 1656.
Principais influências recebidas:
·         John Owen (161 6-1683) - importância da tolerância religiosa.
·           René Descartes (1596 – 1650)- Racionalismo e antropocentrismo. Partiu para o ramo da medicina, o qual foi muitíssimo importante para tecer de sua teia de relações políticas.
Tornou-se medico particular de Antony Ashley Cooper (1621 – 1683), influente Lorde articulador inglês, o que o levou a se ingressar na convivência com os grandes círculos intelectuais e políticos de sua época, além de despertar por vez seus dotes políticos, e filosóficos, por ter-se aliado junto ao lorde (pouco depois conde de Shaftesbury), em defesa de interesses do parlamento, fortalecido pela ascensão burguesa, e contrario ao absolutismo reinante através do Rei Carlos II, sucedido pelo irmão Jaime.
A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.

Pedro H. S. Pereira.
Foi politicamente perseguido, e tendo que se exilar na Holanda, (1682) onde havia liberdade de expressão, Locke pôde trabalhar bastante, questões referentes ao seu viés liberal, através da publicação de artigos em jornais e periódicos, retornando à Inglaterra sé em 1689 com a ascensão de Guilherme de Orange ao trono, graças à outorga do poder dada a este pela câmara dos comuns. Após esta data que Locke teve divulgadas e publicadas suas principais obras, passando a ter o devido reconhecimento:
>Primeiro e segundo tratados sobre o governo civil (1690): Combate a tese do cientista político sir. Robert Filmer, proposta na obra “O Patriarca” (1680 – publicada após a sua morte), na qual defende de forma convicta o absolutismo, que segundo ele, remontava suas origens e poder em Adão e Eva. Locke em contrapartida, afirmou a origem popular e consensual dos governos: “Adão não tinha, seja por direito natural de paternidade ou por doação positiva de Deus, autoridade de qualquer natureza ou domínio sobre o mundo, [...] se os tivesse, nenhum direito a eles, contudo, teriam seus herdeiros.” (LOCKE, 1978, p. 33). Em seu segundo tratado, expõe sua teoria do Pacto Social e defende o liberalismo, buscando derrubar de forma definitivo o inatismo absolutista de Filmer.
>Ensaio acerca do Entendimento humano (1690): Na mencionada obra, Locke leva à tona sua teoria da razão empírica (adquirida através das experiências), em contrapartida ao racionalismo de Descartes e Cudworth que pregavam a existência de idéias inatas (que nascem conosco). Segundo Locke, nosso conhecimento é formado por idéias simples (sensação e reflexão), e complexas, que ocorrem de acordo com o desenvolvimento de nossa “percepção”. “Aos poucos vamos ‘amarrando’ muitas impressões sensoriais e formando conceitos“ (GAARDER, 1998, P. 283).
>Carta acerca da tolerância (1689): Prega a liberdade religiosa e a ruptura Estado/religião para a boa gestão estatal: “Não cabe ao magistrado civil o cuidado com as almas (…) isso não lhe foi outorgado por Deus.” (Locke, 1978, p.5).
>Pensamentos sobre a Educação (1693): Nesta, Locke aplica sua teoria empírica do conhecimento aos problemas do ensino, sustentando que as crianças são totalmente maleáveis: “pode-se levar, facilmente, as almas das crianças numa ou noutra direção, como a própria água.”
A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
Até a morte em outubro de 1.704, Locke exerceu cargos de comissão de recursos e de Câmara de comércio, abandonando-os já por volta de 1.700, quando resolveu por se “aposentar” dedicando-se a vida filosófica e contemplativa .

A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
RESENHA CRÍTICA DO “SEGUNDO TRATADO SOBRE O
GOVERNO CIVIL”
CAPÍTULO I
Locke volta a refutar no primeiro capítulo de seu tratado, as teses do filosofo Sir Robert Filmer (1588 – 1653), defensor assíduo do Absolutismo, alicerçado em bases divinas. Como havia exposto no primeiro tratado, Adão não tinha em qualquer hipótese ou por direito, ou por doação divina, a autoridade sobre seus filhos e sobre o mundo, e se o teve, isso é impossível de se estender e determinar até a atualidade, o que leva Locke à busca de reiterado entendimento da legitimidade do domínio e poder de determinados indivíduos sobre outros.
Assim, Locke define um de seus conceitos-chave, que é o de poder político, que seria o “direito de fazer leis com pena de morte e, conseqüentemente, todas as penalidades menores para regular e preservar a propriedade, e de empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior; e tudo isso tão-só em prol do bem público”. (Locke, 1978, p. 34)
CAPÍTULO II – DO ESTADO DE NATUREZA
Para se entender o poder político e suas origens, Locke nos diz que devemos saber como convivem os homens em seu estado de natureza, ou seja, do modo em que se achariam naturalmente sem nenhum tipo de subordinação estatal, estado no qual ninguém se obriga para com outro ou se subordina, havendo apenas uma mutualidade de inter-relações, como nos explica ao citar Richard Hooker, teólogo inglês defensor da igualdade natural dos homens: “Oferecer-lhe [ao próximo] algo que lhe repugne ao desejo deve necessariamente afligi-lo em todos os sentidos tanto quanto a mim; de sorte que, se pratico o mal, devo esperar por sofrimento…”(LOCKE, 1978, p.35)
Pelas premissas de Hooker, Locke nos afirma novamente a assertiva de que no estado de natureza todos são iguais e providos das mesmas faculdades, subordinados apenas a Deus: . . .”nenhum deles [homens] deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses, [...] [todos] são propriedade
A leitura deste texto jamais suprirá a importância da análise integral dos originais.
Pedro H. S. Pereira.
d’Aquele que os fez, destinados a durar enquanto a ele aprouver e não uns aos outros, e sendo todos providos de faculdades iguais [...] não há a possibilidade de supor-se qualquer subordinação entre os homens. (Idem, p.36)
Dentro da perspectiva do estado de natureza, Locke reconhece o direito de qualquer um castigar a transgressão e perturbação de sua tranqüilidade por outrem, no intuito de cessar a violação de sua paz na medida em que esta foi infringida, o que é direito coletivo, haja vista a inexistência de superioridade ou jurisdição de uns sobre os outros.
Percebe-se a ligação da mencionada faculdade à lei de Talião, ou da “infricção a uma pessoa do mesmo dano que haja causado a outrem.”(HOUSSAIS, 2001), e temos a confirmação dessa similaridade na referência de Locke ao talionato, quando diz que “todos têm direito de castigar o ofensor, tornando-se executores da lei da natureza.” (LOCKE,1978, p.37)
Deixando-nos alguns princípios assimilados posteriormente no direito Penal e Civil, Locke nos ensina que além do castigo à transgressão cometida, o sujeito passivo (vítima) tem também o direito particular de buscar a reparação dos danos sofridos por parte de quem os causou (CC art. 402- material / 953- moral / CP- art. 91,I ), apropriando-se de seus bens (art. 942 CC) no fim de ser ressarcido e impedir que o infrator repita o delito. Notam-se algumas das bases sobre as quais o italiano Cesare Beccaria se sustentou em sua obra “Dos Delitos e das Penas”(1764), na qual faz menção às faculdades acima mencionadas por Locke, ao sustentar que a pena deve também focar-se nesse ressarcimento do dano causado, na punição e conscientização da ilicitude do ato por parte do transgressor. (BECCARIA, 2004)
Por fim Locke critica o Absolutismo ao sustentar ser melhor viver em estado de natureza, no qual o homem se subordina somente a si, a viver sobre o domínio de um monarca com o poder centralizado em si e que manda nos outros da maneira que melhor lhe aprouver, o que não concretiza um pacto no qual lhe é outorgado o poder, pois como diz Locke: “todos os homens estão naturalmente naquele estado [de natureza] e nele permanecem, até que, pelo próprio consentimento, se tornem membros de alguma sociedade política.”( LOCKE, 1978, p.39.)
CAPÍTULO III – DO ESTADO DE GUERRRA
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Este é um estado de inimizade e destruição advindo de desentendimento de indivíduos no estado de natureza que declaram guerra entre si, podendo contar com o auxílio de terceiros que queiram vir se juntar à causa. Locke reconhece essa possibilidade ao afirmar que temos o direito de declarar guerra àquele que me a declara, como o permite a lei natural, por não se restringir a qualquer tipo de convenção.
Desta forma Locke afirma que a tentativa de dominação ou escravização é algo que dá ensejo ao estado de guerra, uma vez que no estado de natureza todos são livres: “aquele que tenta colocar a outrem sob poder absoluto põe-se em estado de guerra com ele…” (LOCKE, 1978,p.40)
Em seguida Locke faz a diferenciação entre estado de natureza e estado de guerra (algo inexistente na concepção hobbesiana, na qual os dois são praticamente os mesmos). O primeiro ocorre quando os homens vivem entre si em gozo de suas liberdades sem maiores problemas: “quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior na Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se propriamente o estado de natureza.” (LOCKE, 1978, p.41)
Logo, o ato de se infringir as mencionadas prerrogativas quando em vivência no estado natural, àquele que teve seu patrimônio dilapidado, cabe o direito de declarar guerra a seu agressor, devido à inexistência de quaisquer órgãos reguladores das atipicidades cometidas, o que não ocorre quando da existência de um pacto social que garanta a resolução do conflito de modo equânime, e isso que deve ser buscado pelos indivíduos para que o estado de guerra pereça de forma definitiva.
CAPÍTULO IV – DA ESCRAVIDÃO
Para Locke, “a liberdade natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder superior na Terra ,e não sob a vontade ou autoridade legislativa do homem, tendo somente a lei da natureza como regra”. (LOCKE, 1978, p.43) Assim,´podemos dizer que também no estado social, o homem deve se subordinar somente àquele poder cujo consensualmente anuiu, estando livre para fazer tudo o que não é defeso por tal poder, princípio de nosso Direito Constitucional “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CR, art. 5º II)
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Em relação à escravidão, é mais do que clara a repulsa de Locke a tal modo de domínio, gerador de infinitos conflitos e ninharias. Para ele, só existe uma possibilidade do mencionado modus vivendi: os casos em que a pessoa perde o seu direito à vida. Podemos ter o exemplo de um cidadão que cometeu alguma falta gravíssima passível de pena de morte, casos em que Locke, reconhece a possibilidade de escravização: “aquele a quem a entregou [a vida] pode, quando o tem entre as mãos, demorar em tomá-la, empregando-o em seu próprio serviço”…(LOCKE, 1978,p.43)
CAPÍTULO V – DA PROPRIEDADE
Locke considera em seguimento ao Gênesis, que Deus deu a Terra aos homens em comum, para que estes se utilizassem desta para a subsistência e conveniência. “Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo.” (LOCKE, 1978, p.45) Note-se que Maquiavel anteriormente a Locke nos deixou ensinamentos neste sentido, ao dizer no cap. XIX de sua obra “O Príncipe” que para que não seja odiado por seus súditos, o Príncipe jamais deve usurpar os bens e patrimônio destes: “quando os súditos têm seu patrimônio e honra respeitados, vivem geralmente satisfeitos”. (MAQU IAVE L, 2004,p. 110)
Em continuidade, Locke nos diz que aquele espaço ao qual o indivíduo incorporou para si através do trabalho é de sua propriedade exclusiva e não lhe pode ser contestada (salvo problemas de escassez), pois se necessitássemos do consentimento de todos para apropriarmo-nos de uma macieira, por exemplo, morreríamos de fome “É a tomada de qualquer parte do que é comum com a remoção para fora do estado em que a natureza o deixou que dá início à propriedade.” (LOCKE, 1978, p.46)
Assim o é também com a terra: “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva, cujos produtos usa, constitui sua propriedade.” (LOCKE, 1978, p.47)
Locke ressalta a importância do trabalho nesse sentido, ou seja, de incorporação de maior propriedade, algo que foi demasiado crucial no âmbito do protestantismo, que incorpora tal conduta à preceitualização divina: “ aquele que em obediência a esta ordem de Deus, dominou, lavrou e semeou parte da terra,
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anexou-lhe por este meio algo que lhe pertença.. . ” (Idem) Note-se que Max Weber (1864-1920), em sua obra “A Ética protestante e o espírito do Capitalismo” fez uma abordagem muito importante nesse sentido, ao afirmar que a mencionada conduta (do trabalho como importante para a dignificação do homem), foi muito importante no âmbito do desenvolvimento do Capitalismo, à medida em que concorreu para o desenvolvimento econômico-social por ter o trabalho como base importante em sua doutrina. (WEBER, 2004)
Quanto aos problemas relativos à escassez das terras, Locke considera impossível tal contestação, pois o espaço dado por Deus a cada um dos homens para usufruto é mais do que suficiente para sua satisfação, e no caso de desacordo com qualquer outro homem, é passível de modificação, podendo aquele que teve sua propriedade disposta a terceiro, trocá-la por outra tão quão produtiva quanto a anterior.
Retornando à questão do trabalho, Locke nos chama a atenção não só para o acúmulo de propriedade, mas também para a sua valorização: “. . .considere qualquer um a diferença que existe entre um acre de terra plantado [...] e um acre da mesma terra em comum sem qualquer cultura e verificará que o melhoramento devido ao trabalho constitui a maior parte do valor respectivo.” (I dem, p.50) “A grande arte do governo consiste no aumento de terras e no uso acertado delas”(I dem, p.51)
Ao longo do tempo, com o crescimento populacional, a escassez passou a ser iminente, o que culminou em pactos e leis fixando os limites dos respectivos territórios, dando ênfase à legitimidade de sua posse.
Em seguida Locke nos explica o surgimento do dinheiro, advindo da necessidade de se acumular bens sem o problema da fungibilidade, ou seja, sem o perecimento de seus bens com o tempo. (Note-se que o processo se iniciou com a permuta ou troca, que aos poucos foi sendo substituída pela moeda – “as moedas fabricadas com uma liga de ouro e prata apareceram pela primeira vez no século VI a.C. Tanto os monarcas como os aristocratas, as cidades e as instituições começaram a cunhar moedas com seu sinete de identificação para garantir a autenticidade do valor metálico da moeda.” (ENCARTA 2001)
José Afonso da Silva em seu “Curso de Direito Constitucional Positivo”,considera a propriedade como direito individual indispensável (p.180), ao
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lado da vida, igualdade, liberdade e segurança, todos elencados no art. 5º de nossa Carta Magna, relativo aos direitos e deveres individuais e coletivos, que assim define em seu Inciso XXIII: “ a propriedade atenderá a sua função social”, e em seu inciso XI que “a casa é asilo inviolável.”
Tais desígnios são pertinentes da primeira leva de direitos a serem assegurados aos indivíduos ainda na idade Moderna (os quais J. J. Canotilho define como “Direitos de Defasa do cidadão perante o Estado,” considerando Locke o pai do individualismo possessivo, p.384; Moraes chama-os de “Direitos da primeira Geração ou negativos”, sucedidos pelos sociais, econômicos e culturais (2ª), e pelos de solidariedade ou fraternidade (3ª) p.27;) com a declaração dos direitos do homem e cidadão pouco após o término da Revolução Francesa, com a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que deveriam ser dispostas em quaisquer constituições que viessem a existir, sendo substituída a posteriori, pela “Declaração Universal dos Direitos Humanos” em 1948 pela assembléia das Nações Unidas.
CAPÍTULO VI – DO PÁTRIO PODER

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Locke critica a mencionada expressão, nos dizendo que pode nos conduzir ao erro, pois parece atribuir totalmente ao pai o poder sobre os filhos, quando na verdade sabemos o quão é imprescindível o poder exercido pelas mães: “seria preferível chamar esse direito de ‘poder dos pais’, para qualquer obrigação que a natureza e o direito de geração impõem aos filhos, subordinando-os com toda certeza por igual a ambas causas nela concorrentes.”(LOCKE,1978, p.55)
Em continuidade, Locke nos fala de algo que faz algum diferencial mesmo quando em estado de natureza: a experiência, que segundo ele, através da idade ou a virtude (virtú em Maquiavel – Príncipe cap. XXV), pode atribuir ao homem maior domínio sobre os demais, e isso é de nossa natureza (inclusive da dos animais).
Os únicos passíveis de jurisdição, porém temporária, são os filhos, que até atingirem a maturidade, são dependentes dos pais, assim como foram Caim e Abel de Adão e Eva, sucessivamente: “. . .o poder que os pais têm sobre os filhos resulta do dever que lhes incumbe – cuidar da progênie durante o estado imperfeito da infância.”(LOCKE, 1978, p.56)
É só na maturidade (hoje a “maioridade” ocorre para nós aos 18 anos conforme o art. 5º de nosso CC: “A menoridade civil cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.” Porém quando a maturidade chega, é uma incógnita…), um estado no qual o jovem já dispõe do devido discernimento, que ele pode passar a gozar de todas suas liberdades (Locke considerava ser nos aproximados 21 anos), e não depende mais de seus pais ou tutores.
Em seguida Locke faz menção aos loucos e defeituosos que não atingem o grau de razão em que teriam o necessário discernimento, ensinando que estes jamais se libertam do governo dos pais, regra levada a cabo por nosso Código Civil, que assim define em seu art. 3º II: “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, os que por enfermidade ou doença mental, não tiveram o necessário discernimento para a prática desses atos.”
Após a maioridade, quando perde a jurisdição dos pais, o filho deve manter sempre a honra e o respeito por ambos: “não há estado ou liberdade que possa dispensá-los desta obrigação.” (LOCKE, 1978, p.59) Porém há de se lembrar que jamais os pais poderão continuar a exigir de sua prole eterna obediência e absoluta submissão.
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Temos assim duas vertentes distintas: a primeira, a obediência, diz respeito ao dever dos filhos de respeitarem seus pais quando ainda incapazes, e reciprocamente, o dever dos pais de contribuírem para a formação do filho até o ápice de sua maturidade. A segunda vertente abordada por Locke, a veneração, é referente ao respeito e atenção dos filhos para com os pais após o escopo de sua maturidade, haja vista a importância destes em sua formação anterior, apesar de não exercerem mais a total jurisdição sobre eles.
Em abordagem a outra forma de exercício do poder, Locke nos fala da faculdade de se doar a herança: os pais tendo em vista o temperamento e veneração dos filhos após a maioridade, doa a herança da maneira que melhor lhes aprouver, o que de certo modo deixa os filhos co-obrigados a obedecer-lhos mesmo após a maioridade, visando sempre o recebimento da herança, o que faz com que o pai ainda tenha sobre eles um certo “reinado”, o que leva Locke a compara-los com monarcas políticos, que estabelecem sua sucessão após a morte.
CAP. VII – DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL
Como ensina o Gênesis, Deus fez o homem no intuito de que este convivesse em sociedade, dando-o a razão e o discernimento necessários para seu relacionamento com os demais, o que inicia-se pela sociedade conjugal, que tem como fim a procriação e o cuidado para com a prole até sua maturidade, sendo essa a principal razão da continuidade dos laços entre homem e mulher, e um dos motivadores do desenvolvimento do trabalho, de acordo com Locke.
Considerando diferentes a sociedade conjugal e a política, o autor resolve por focar-se na segunda, após breve explanação sobre a primeira. Ela nasce a partir do momento em que os indivíduos resolvem por abrir mão de seu direito natural (Estado de natureza – cap II), passando-o às mãos da comunidade, da forma que a lei estabelecer: “. . .excluindo-se todo julgamento privado de qualquer cidadão particular, a comunidade torna-se árbitro em virtude das regras fixas estabelecidas…” (Locke, 1978, p. 67)
Assim, aqueles que unem-se nesse intuito de estabelecer entre si um modus vivendi, com órgãos responsáveis pela resolução de controvérsias e punição dos infratores, encontram-se numa sociedade política ou civil: “…por essa maneira a comunidade consegue, por meio de um poder julgador estabelecer que castigo cabe às varias transgressões, (…) bem como possui o poder de castigar qualquer
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dano praticado contra qualquer dos membros, (…) e tudo isso para a preservação da propriedade de todos os membros dessa sociedade… “(Idem). Note-se a partir da citação, a criação dos poderes Legislativo e executivo, aos quais Locke delega o a faculdade da criação e execução das leis, sistema posteriormente aprimorado pelo francês Montesquieu (1689 -1755) em sua obra “O espírito das Leis”, na qual trás a tona o sistema de pesos e contrapesos (checks and balances).
Logo, só da forma retro-mencionada que se torna possível a existência de uma sociedade civil, coexistindo nos demais casos o estado de natureza; assim Locke considera a monarquia, que não é constituída através de uma outorga consensual entre seus membros: “. . .onde quer que existam pessoas que não tenham semelhante autoridade a que recorrerem, (…) estarão tais pessoas no estado de natureza; e assim se encontra qualquer príncipe absoluto em relação aos que estão sob seu domínio.” (Locke, 1978, p.68).
Para que haja a modificação desses estados monárquicos, há a necessidade de um juiz imparcial, que decide de forma justa e sem inclinações (o que não aconteceu nas monarquias) os conflitos existentes. Locke nos diz ainda que a monarquia é pior do que o estado de natureza ordinário, porque há alguém com um poder superior ao meu que se acha senhor de tudo.
Ninguém em seu estado de natureza pode ser expulso de sua propriedade ou ser submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento, pois como já explicitado por Locke, todos são livres, iguais e independentes, e só através de um pacto civil visando maior tutela destas liberdades que ocorre o fim do tão estudado Estado, e a formação de um corpo político que representa a maioria (LOCKE x ROUSSEAU). “Todo homem, concordando com outros em formar um corpo político sendo um governo, assume a obrigação para com todos os membros dessa sociedade de submeter-se à redução da maioria conforme a assuntar. . .”(Locke, 1978, p. 71)
Locke logo após se depara com duas objeções: Quando ocorreu de homens se reunirem e formarem um pacto da forma mencionada? Como pode ter ocorrido se todos nós nascemos sob um governo qualquer?
Em resposta, Locke nos explica que o governo precede à historia, e só após sua formação é que se iniciam relatos a seu respeito.
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Como o modo de se justificar, Locke se utiliza das palavras do jesuíta Espanhol José de Acosta (1539 – 1600), que em quando da exploração da América relatou a inexistência de quaisquer governos. “[No Peru] não tiveram, durante muito tempo, reis nem comunidades, vivendo em bandos, como o fazem até hoje na Flórida os Cheriquanas, os do Brasil e de muitas outras nações que não tem reis certos, mas quando se oferece a ocasião, na paz ou na guerra, escolhem os chefes conforme lhes convém…“ (ACOSTA CITADO EM LOCKE, 1978, p. 73). Como explicita Locke, tais sociedades iniciaram-se com a união voluntária e acordo mútuo entre os homens que agiam livremente.
Explicando o porquê do surgimento das monarquias, Locke baseia-se na figura do Pai, que como até a atualidade costuma ser consenso, é o responsável pelo sustento e gerencia dos filhos, e o seu castigo quando da transgressão das leis entre si impostas, o que foi se transferindo de tempos em tempos, culminando nas monarquias, mas ele considera que tal poder exercido pelos pais era legitimo, pois o era feito de forma natural:. ..”não pode haver dúvida que faziam o uso da liberdade natural para instalar aquele que julgavam o mais apropriado a bem governar.” (Locke, 1978, p. 74); porém comete-se um enorme engano ao se considerar que o governo monárquico surgiu por natureza, vez que surgiu como ensinou Locke, pelo consentimento tácito, pois já acostumados com a autoridade paterna, os indivíduos verificaram-na como a melhor e mais segura.
O surgimento das monarquias de forma mais concisa como o era na época de Locke, se deu segundo ele, pela superioridade de determinados indivíduos na chefia de guerras e conflitos, nos quais destacaram-se por sua maior capacidade e agilidade a frente do povo, o que trouxe confiança dos demais por ele, algo que passou a vigorar em primeiro plano sem malícia, dando origem às cruéis monarquias, sustentadas por argumentos esdrúxulos como os de Sir. Robert Filmer.
Em resposta à questão de nosso atrelamento a formas de governo precedentes ao nosso nascimento, Locke volta a mencionar que somos livres, e por isso podemos criar nossa própria forma de governo, desde que longe daquela, pois se não houvesse tal possibilidade, o mundo continuaria gerido por uma única monarquia: ”. . .quem quer que nasça sobre o domínio de outrem pode ser igualmente livre e pode tornar-se governante ou súdito de governo separado ou distinto (…) todos teriam de ser uma única monarquia universal se os homens não
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tivessem tido a liberdade de se separarem das famílias e dos governos (…) indo formar comunidades distintas e outros governos…” (Locke, 1978 p. 78)
Finalizando a questão relativa às formas de governo e sua aceitação, Locke nos fala que nos casos de esta ser expressa, o individuo coobriga-se como membro de tal governo, porém o problema centra-se no consentimento tácito, que para Locke dá-se quando o individuo não manifesta sua vontade e interesse para com a manutenção da jurisdição, o que o vincula até que não queria mais manter-se sobre determinado poder, tendo a faculdade de retirar-se da comunidade, o que não ocorre com aquele que a aceitam de forma expressa.
CAP IX . DOS FINS DA SOCIEDADE POLÍTICA E DO GOVERNO
Locke nos fala que apesar dos homens terem total liberdade sobre suas posses, e não terem qualquer obrigação com qualquer outro no estado de natureza, estão expostos a inúmeros perigos que podem culminar na perda de sua propriedade e tranqüilidade para terceiros, pois são vulneráveis: “… a punição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada.” (Locke, 1978, p.82).
Mais do que óbvio, o surgimento das sociedades civis tem como escopo, a preservação da propriedade, o que não se demonstra tão firme no estado de natureza: “O objetivo grande e principal, (…) é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de natureza” (Idem). Locke enumera várias condições inexistentes no estado de natureza:
1 – Uma lei firmada e reconhecida por todos, pela qual devem se pautar.
2 – Um juiz imparcial para a resolução de conflitos de acordo com a lei.
3 – Algo que assegure a devida execução da sentença imposta.
Um grande motivador da saída dos indivíduos de seu estado de natureza, levando a se associarem aos demais, é a incerteza sobre o resultado de suas ações quando em estado de natureza: “Os inconvenientes a que estão expostos pelo exercício irregular e incerto do poder que todo homem tem de castigar as transgressões dos outros obrigam-nos a se refugiarem sob as leis estabelecidas de governo e nele procurarem a preservação da propriedade. (Idem, p.83)
Tendo em vista uma maior proteção à sua propriedade e bens, apesar de perder alguns de seus direitos exclusivos do estado de natureza (principalmente a autotutela), o homem tem lucros ao resolver por ligar-se a uma sociedade política,
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pois ao contrario, fica a mercê da vulnerabilidade. A concepção de Locke é bastante diferente da hobbesiana, que vê o Estado como um “mal necessário”.(HOBBES, 2004)
CAP. X – DAS FORMAS DE UMA COMUNIDADE
Locke aborda as diversas formas de governo que se tornam possíveis quando há a criação das sociedades civis.
Se há a nomeação de pessoas de tempos em tempos para a elaboração das leis, deparamo-nos com uma democracia, segundo ele. Nos casos de dar-se tal faculdade nas mãos de alguns homens escolhidos, e a seus herdeiros e sucessores, deparamos-nos com uma oligarquia, podendo haver também as monarquias, que podem ser hereditárias (Locke já nos falou do problema que pode causar a hereditariedade), ou eletivas.
Por fim Locke nos dá a definição de Comunidade, que deve ser interpretada segundo ele com o significado de “civitas”, correspondente à forma de associação por ele mencionada, na qual vários indivíduos unem-se em torno de um mesmo objetivo, visando o bem comum.
CAP XI – DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO
Locke nos diz que a primeira e fundamental lei positiva que for instruída dentro de uma nova sociedade, deve estabelecer junto a si o poder legislativo, poder supremo e sagrado dentro de uma comunidade, sem o qual jamais poderá haver a possibilidade de se legislar sem o consentimento dos seus representantes: “[não] pode qualquer edito de quem quer que seja, (…) ter a força e a obrigação da lei se não tiver a sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo público”… (Locke, 1978, p.86).
Fazendo algumas ressalvas ao poder legislativo, que pode ser exercido por um ou mais cidadãos, Locke nos diz que:
1- Ele não pode ser mais do que aquilo que as pessoas lhe outorgaram: “… não poderá ser mais do que essas pessoas tinham no estado de natureza antes de entrarem em sociedade e o cederam à comunidade, porque ninguém pode transferir a outrem mais poder do que possui.” (Locke, 1978 p. 87)
Seu objetivo é a preservação dos direitos dos súditos, e nada mais.
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2 – Ele jamais pode chamar a si o poder de governar por meio de decretos extemporâneos e arbitrários, (AI 5…) somente deve o fazer por leis a partir das quais os magistrados o efetivarão, para que não caia na autoridade, o que é um dos motivos que levam o individuo a celebrar o pacto, visando seu fim: “o poder que tem o mando deve governar mediante leis declaradas e recebidas, e não por prescrições extra temporais e resoluções indeterminadas”. (Locke, 1978, p. 88)
3 – Tal poder não pode jamais retirar dos indivíduos a sua propriedade (o que é um dos principais motivos de sua criação), ou lançar impostos sobre esta sem seu consentimento. É errôneo pensar que o poder legislativo pode fazer o que quiser, mas isso pode ser possível naquelas comunidades em que o legislativo esta alicerçado só sob um único individuo permanentemente, pois nos casos de assembléias variáveis, os legisladores não o fazem por saber que voltarão estar submissos como os demais.
4 – o poder legislativo não pode transferir seu poder de elaboração de leis a terceiros, pois só o povo que tem legitimidade para o fazer.
CAP. XII DOS PODERES LEGISLATIVO, EXECUTIVO E FEDERATIVO DA COMUNIDADE
Coma já mencionado por Locke, o poder legislativo é aquele que Tem o direito de saber como se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e dos seus membros, mas apesar desta tarefa, ele não trabalha permanentemente, e seus membros devem voltar à normalidade para que também sujeitem-se às leis que fizeram, e aproximem-se mais do bem geral, o que contrariamente os poderia levar a agir de forma arbitrária, ou visando interesses exclusivos.
Na fiscalização do cumprimento das leis, ficará o poder executivo, responsável por acompanhar sua execução e eficácia, que ficará bastante separado do legislativo, por este se reunir poucas vezes.
Por último Locke menciona o poder federativo, responsável pela segurança e defesa dos interesses da comunidade fora dela, o qual deve ser também regido pelo executor, pois segundo ele: “… é quase impraticável colocar-se a força do

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Estado em mãos distintas e não subordinadas, ou os poderes executivo e federativo em pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força

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do público ficaria sob comandos diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e ruína.” (Locke, 1978 p. 92)
CAP. XIII-DA SUBORDINAÇÃO DOS PODERES DA COMUNIDADE
Locke nos ensina que como o poder legislativo age de acordo com os interesses da comunidade visando sua preservação e salvaguarda, jamais pode ir contra esta, casos nos quais a mesma pode alterá-lo, outorgando-lhe a outros indivíduos, pois é sempre o poder supremo nos casos de falhas ou corrupção no poder legislativo, o que não ocorre nos casos de boa gestão, em que o legislativo goze de tal prerrogativa:”… enquanto subsiste o governo,o legislativo é o poder supremo; o que deve dar leis a outrem deve necessariamente ser-lhe superior…” (Locke, 1978, p.93)
Nos casos de vacância temporal do legislativo (cap XII) momento em que não está atuante, a referida guarda e supremacia advém do executivo que apesar de irresponsável pela continua fiscalização das leis; esta pessoa única também pode chamar-se suprema, em sentido mais tolerável, “não que tenha em si todo o poder supremo, que é o de fazer leis, mas porque possui em si a suprema execução…” (idem)
Retomando o poder legislativo, Locke nos fala sobre o modo e freqüência de suas reuniões, nos ensinando que podem ser reguladas constitucionalmente, com a precisão de reuniões durante intervalos de tempo, ou quando as exigências ou ocasiões trouxerem tal necessidade, devendo em ambos casos o executivo agir no sentido de possibilitar de forma precisa as mencionadas reuniões.
Se o executivo não concorre para a possibilitação das reuniões, e utiliza-se da força para impedi-las, Locke nos diz que o povo tem o direito de utilizar-se da força, pois seu emprego sem o consentimento do povo por parte do executivo, coloca-o num estado de guerra para com a sociedade. Seu poder de convocar o legislativo, não o trás ou dá supremacia, é apenas um encargo, uma obrigação em prol do bem publico e da continua manutenção das leis.

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Locke nos fala neste presente capitulo dos casos em que o poder legislativo nada deliberou sobre determinado assunto, ou simplesmente não o regular de forma amplamente necessária, momentos em que cabe ao executivo buscar utilizar-se do meio mais eguaz possível, visando o bem da comunidade: . ..o executor das leis, tendo o poder nas mãos, possui o direito de (…) fazer o uso dele para o bem da sociedade, em muitos casos em que a lei municipal não estabeleceu qualquer direção, ate que o legislativo,(…) pondere a respeito.” (Idem, p.96) Na atualidade, claro que pouco adversamente, nosso poder executivo tem através de nossa Magna Carta prerrogativa similar, possível devido às medidas provisórias, (reguladas no art. 62) que dão a faculdade ao chefe do executivo, de editar medidas provisórias nos casos de relevância e extrema necessidade, suprindo a vacância do poder legislativo, que pouco após é chamado a deliberar no intuito de aprovar ou não a medida, possível de ser convertida em lei.
Quando age em favor do bem público em casos em que não há previsão legal ou que há a necessidade de vir contra esta, o executivo utiliza-se do instituto chamado prerrogativa, devendo ir sempre a favor do povo. Exemplo simples desta utilização, é o caso em que há a necessidade de demolição de uma casa próxima de outra que está pegando logo, para que este não mais se alastre. Como é bastante visível, há a necessidade do mencionado ato, que se tido em momento posterior, culminara na destruição de propriedade; porém, visando o interesse coletivo, o executivo jamais poderá deixar de se utilizar desta hermenêutica nestes casos mais extremos.
Locke nos diz que as primeiras sociedades tinham a prerrogativa como principal base de seus governos, pois poucos eram as leis positivas, que foram paulatinamente germinando das necessidades modernas, e substituindo a arbitrariedade dos reis, trazendo cada vez mais de forma concreta, segurança para a sociedade, o que jamais pode ser considerado uma “usurpação do poder”, como Locke nos ensinou: “sendo o objetivo do governo o bem da comunidade, quaisquer alterações que se introduzam nele visando a um objetivo não podem representar usurpação contra quem quer que seja (…) a prerrogativa só pode ser a permissão do povo aos governantes para praticar alguns atos de livre escolha onde a lei

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silencie, e por vezes, vá também, diretamente contra a letra da lei, a favor do bem público”… (Locke, 1978, p. 99)

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Por fim, Locke nos pergunta o que pode-se fazer se esta prerrogativa se tornar arbitrária por parte do poder executivo, e referindo-se a divindade nos diz que a única coisa que se pode ser feita, é apelar para esta: “… quando o corpo do povo (…) está submetido a um poder sem direito, contra o qual não exista apelação na terra, ficam então na liberdade de apelar para o céu”… (Idem, p.101)
CAP. XVI DA CONQUISTA
Locke nos diz que tal forma de poder é algo muito comum em guerras, e que não é uma forma legitima de manifestação do poder político, pois “sem o consentimento do povo, não é possível nunca fundar-se nova sociedade”. (Locke, 1978, p. 104). Ele compara a mencionada conquista através de guerras, à conquista que um ladrão tem de meu patrimônio: sob ameaça de uma arma, seria legitima a entrega de minha propriedade a outrem? Jamais aquele que conquista em guerra injusta pode ter qualquer direito à submissão e obediência por parte do conquistado.
Para Locke, o poder que o conquistador pode ter do conquistado é puramente despótico, sendo aceitável somente sobre a vida dos que participaram desta e perderam seus direitos (cap. IV- escravidão), o que não abrange aqueles que não tomaram parte na batalha, salvo o expresso consentimento dos mesmos: “quem tem direito sobre a pessoa de um individuo para destruí-lo conforme quiser, nem por isso tem direito sobre o que lhe pertence para possuí-lo e desfrutá-lo. (…)
o   direito de conquista se estende somente à vida dos que tomaram parte na guerra
e   não às suas propriedades”… (Locke, 1978, p. 107). Como parte da propriedade dos indivíduos temos a família, e Locke reconhece que esta jamais deve responder por nada nos casos de escravização do patriarca: ”Salvos prejuízos e danos obtidos com a guerra, não podemos prejudicar a família.” (Idem) Quanto aos filhos, a recíproca se repete, pois como já explicitado, estes são livres de sujeição a qualquer governo (se sujeitam somente ao poder dos pais até a maioridade cap.VI),
e   são os legitimados à herança dos pais.

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Pedro H. S. Pereira.
Locke diferencia ao inicio a conquista (chamada por ele de usurpação estrangeira) da usurpação, que para ele é uma conquista interna, na qual tal conquistador jamais pode ter o direito a seu favor, por estar este direito na posse de um terceiro legitimado.
Como visto no capítulo anterior, o conquistador passa a ter o direito sobre aqueles com quem guerreou e venceu, algo não reconhecido nas formas e regras de governo por parte do usurpador, vez que esta jamais será legitima, pois “…quem quer que adquira o exercício de qualquer parte do poder por meios diferentes do que as leis da comunidade prescreveram, não tem direito a ser obedecido…” (Locke, 1978, p. 112). Assim, só a sociedade, e de forma que a lei estabelecer, é a legitimidade para a escolha de seus dirigentes, não tornando-se jamais submissa a qualquer forma de poder arbitrário como a advinda da usurpação.
CAP. XVIII – DA TIRANIA
Se a usurpação é o exercício do poder ao qual outrem tem o direito, a tirania é segundo Locke, o exercício do poder alem do direito que lhe fora outorgado, algo que não pode caber a ninguém. Ela consiste em fazer o uso do poder tido em mãos, não para a vontade daqueles ao qual estão sujeitos, mas em vantagem própria e privada, algo já combatido anteriormente pelo rei Jaime Stuart, que rezava que: “… o rei justo e virtuoso, (…) reconhece ter sido criado para promover a riqueza e a propriedade de seu povo”. (Locke,1978, p. 113)
Segundo Locke, não só as monarquias podem ser sujeitas a tal arbitrariedade, pois em quaisquer formas de governo nos quais o poder de um legitimado se aplicar para fins serão os de interesse de seu povo, tal governo encontrar-se-á em uma tirania. Para Locke, o ato de se possuir mais poder ou posses do que os demais, não me dá o direito de exorbitar as faculdades a mim atribuídas: “. . .possuir com pleno direito grande poder e riquezas, (…) esta tão longe de valer como desculpa e muito menor como razão, para a rapinagem e opinião”… (Locke, 1978, p. 115).
Nos explicando o porquê de não se poder opor às ordens de um príncipe
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Pedro H. S. Pereira.
quando estas são legítimas, (o que pode gerar baderna) Locke enumera quatro fatores que dão ensejo à condição de quem o faz:

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Pedro H. S. Pereira.
1 – O príncipe não responde por quaisquer atos não considerados ilegais em seu governo, o que o livra de qualquer tipo de censura ou condenação judicial.
2 – Tal faculdade não impede o questionamento de sua regularidade, mas se o príncipe ou rei o for, a arbitrariedade dos responsáveis pelo constrangimento e desrespeito às leis deve ser julgada.
3 – Nos casos de não haver a faculdade acima mencionada, deve haver a existência de mecanismos satisfatórios para a resolução dos conflitos e desentendimentos existentes quando do exercício do poder pelo legitimado, capazes de garantir boa relação e o destrinchar de quaisquer conflitos.
4 – Mesmo com a eminência de atos ilegais por parte do governo, e com a obstrução das formas legais de se proceder, os indivíduos têm o direito de resistir a tal manifesto, buscando de melhor maneira o modo de resolução do problema de forma pacífica.
CAP. XIX – DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO
Locke busca ao inicio a distinção de dois termos: a dissolução da sociedade, e a dissolução do governo. A da sociedade pode ocorrer pela invasão de força estranha, o que culmina não só na dissolução do governo, mas também na dissolução da sociedade, vez que esta perde a capacidade de autogestão: ”. . . não sendo capaz de manter-se e sustentar-se como corpo inteiro e independente, a união que lhe cabia e a formava tem necessariamente de cessar”… (LOCKE, 1978, p. 118) Há também segundo Locke, a possibilidade de dissolução dos governos por motivos internos:
10 – Quando se altera o poder legislativo sem o prévio consentimento da sociedade, o que ocorre “se um homem ou mais de um chamarem a si a elaboração leis sem autoridade, a que o povo, em conseqüência, não está obrigado a obedecer”. (idem, p. 119)
Nestes casos o mesmo tem a liberdade de escolher novos legisladores, e conforme a conveniência, nova forma de governo.
20 Quando o legislativo ou o príncipe agem contrariamente ao encargo que receberam, ou seja, a preservação da propriedade fator responsável por sua criação. Ao agir desta forma, apoderando-se ou entregando a terceiros a propriedade alheia, o legislativo perde o poder que lhe fora outorgado pelo povo,
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Pedro H. S. Pereira.
que passa a ter o direito de retomar sua liberdade originária, ou eleger novos governantes ou modos de governo.
Em seguida Locke nos diz que fora dos casos supracitados, o povo, apesar de alguns problemas decorrentes das contínuas modificações ocorridas nas sociedades de menor repercussão, consegue conviver em paz … “até que o malefício se torne geral e os maus desígnios dos governantes visíveis, ou que a maior parte perceba as tentativas que fazem, o povo, (…) não será capaz de mexer-se”. (idem, p. 124).
Lembrando-nos de preceitos já estudados nos capítulos anteriores ( cf. cap.II e III), Locke lembra que nos casos de exorbitância das faculdades outorgados por parte do legislador, o povo em decorrência da lesão sofrida, pode em determinados casos retornar ao estado de guerra: “ Quem quer que use força sem direito, como o faz toda aquele que deixa de lado a lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles contra os quais assim a emprega”.. (idem, p. 125). E Locke considera justa uma penalização mais severa ao legislador, nos casos em que vai em desrespeito à lei imposta (algo que deveria ser levado à cabo em nosso país): “[a ofensa deles é maior] não só por serem ingratos pela maior pela maior parte que tem pela lei, mas também por desrespeitarem o encargo em que seus irmãos lhes colocaram nas mãos”. (idem).
Desta forma Locke refuta as palavras do jurista Willian Bar Clay que não aceita de forma alguma penas mais severas ao monarca, pois vê que “o inferior não pode castigar o superior” (idem, p. 126), pode apenas “suportar” sua tirania, o que Locke revida, ao sustentar que nestes casos os indivíduos retornam ao estado de guerra, sem exceção, tendo direito de se opor a quem quer que seja. Como toda regra tem sua exceção, o grandioso jurista crê que nos casos em que o rei procura derrubar o governo e coloca o povo em guerra, ou quando se forma dependente de outro reino e perde sua autonomia, o povo encontra-se livre e entregue à própria vontade, o que não foge do foco de pensamento Lockeano.
Ao fim Locke volta a afirmar que o grande legitimado para julgar tanto o príncipe quanto o legislativo quando estes agem contrariamente as leis, é sempre o povo: ”. . .quem poderá julgar se o depositário ou o deputado age bem e de acordo com o encargo a ele confiado serão aquele que o nomeiam, devendo por tê-lo nomeado, ter ainda poder para afastá-lo quando não agir conforme seu dever” (Idem, p. 130).
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Pedro H. S. Pereira.
 
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