quinta-feira, 21 de abril de 2011

DEBATE - Olavo de Carvalho X Alaôr Caffé Alves - Marxismo, Direito e Sociedade

Debate entre Olavo de Carvalho e Alaor Caffé Alves
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
19 de novembro de 2003.


Ponto alto do debate:


OLAVO DE CARVALHO : Ora, o prof. Alaor tem a pretensão de
diagnosticar os meus problemas emocionais. Dele, eu só diagnostico
uma coisa: ignorância. Primeiro, ignorância dos escritos de Marx. Ele
diz que a matéria é função da produção; Marx diz exatamente o
contrário: Marx subscreve inteiramente as concepções atomísticas de
Demócrito e aceita a ciência newtoniana como a tradução perfeita da
realidade. Ademais, a idéia de uma dialética interna da matéria está
exposta nos escritos do próprio Engels e faz parte da tradição do
movimento comunista. Abolir tudo isso, dizendo que Marx só falou da
produção é absolutamente ridículo, é coisa de ignorante, para não dizer
mentiroso. Não o acuso de mentiroso mas o acuso de ignorante. Em
segundo lugar, com um homem que chega para mim e diz por um lado
que “ah, esse momento é da esquerda, a esquerda está com tudo” e, por
outro lado, diz que não existe esquerda nenhuma, em algum ponto a
coisa está falhando. Em terceiro lugar, o conselho de “esqueçamos a
História, nada disto aconteceu, vamos tentar de novo, vamos confiar”,
isso é uma palhaçada, isso é pueril. Não se pode aceitar uma discussão
nessa base.
ALAOR CAFFÉ ALVES : Bem, eu evidentemente não estava esperando
essa agressividade. Essa foi demais.

OLAVO DE CARVALHO : Agressividade é a sua, que começa a falar
em problemas emocionais

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INTRODUÇÃO AO DIREITO - ALAÔR CAFFÉ - USP


Bibliografia

* FERRAZ JR., Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito.
       Ed Atlas 2ª Ed.

* KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito.
        Ed. Martins Fontes 2ª Ed.

* BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico.
         UnB


1. Introdução

As normas jurídicas relacionam-se entre si, criando uma estrutura coesa, coerente e orgânica, à qual dá-se o nome de Ordenamento Jurídico, ou Sistema Jurídico. Esse sistema tem mobilidade, movimento e dinâmica própria. O estudo dessa dinâmica visa, entre outras coisas, entender como uma norma entra no sistema e como ela sai dele. Outra questão para entender o sistema é saber como se dá a validade das normas.

Para Kelsen, a norma é válida apenas por existir em conformidade com a norma fundamental, autorizada por ela. Contudo, cabe perguntar se uma norma que não é aplicada pode ser considerada válida apenas pelo fato de existir.

Cabe também perguntar sobre as fontes do Direito. Para Kelsen, as fontes são puramente formais, são as instâncias e autoridades determinadas pela norma fundamental. Por outro lado, outro teóricos propõem a noção de fontes materiais, dadas pelas relações concretas entre os indivíduos. Para esses teóricos, somente a profunda relação entre o Direito e o meio social (cultural, econômico, históricos etc) garantem a validade e a vigência do Direito.


2. Dinâmica do Sistema Normativo

2.1 Revogação

Quando uma normas perde sua validade.



2.2 Antinomia

Quando há uma contrariedade entre as normas dentro do sistema jurídico. Podem ser:

a) Lógico-matemáticas - quando uma norma dá capacidade a alguém para alterar um conjunto de normas, inclusive aquela que lhe deu essa capacidade.

b) Semântica - quando o sentido de uma norma, ou de uma de suas partes, gera uma contradição, permitindo mais de uma interpretação de seu texto, tornando-a incompreensível. Cabe à doutrina optar por um dos significados, abandonando os outros.

c) Pragmática - ocorre quando da aplicação concreta da norma. Quando duas normas dão comandos diferentes aos sujeitos, inviabilizando os comportamentos esperados.



2.3 Anulação dos efeitos das normas

a) Nulidade - quando uma norma é determinada como nula, todos os efeitos que ela produziu são anulados, como se não houvessem existindo. Contudo, no caso de uma norma de ampla penetração social é comum que a Justiça aceite os efeitos já ocorridos.

b) Inexistência - quando uma norma, devido a um vício interno grave, nem mesmo chega a entrar no sistema.

c) Anulabilidade - quando uma norma é valida, produz seus efeitos e continua produzindo-os até que alguém questione algum efeito de sua validade.


2.4 Norma Fundamental

Kelsen - a norma fundamental é abstrata e fundamenta todo o ordenamento jurídico. É baseada no conceito de legalidade, no conceito de legitimidade formal. Para ele, a norma fundamental é um pressuposto ideal que dá origem ao ordenamento como um todo.

Bobbio - a norma fundamental é uma "norma tácita" que fundamenta o poder constituinte, baseado no conceito de legitimidade. Ela estaria fora do próprio sistema jurídico, sendo assegurada pelo poder. O poder que a legitimaria poderia ser originado em Deus, na Razão dos homens (jusnaturalismo) que buscaria valores comuns para a maioria dos homens, ou em um contrato entre os homens (contratualismo). Os marxistas incluiriam mais uma origem: a dominação por uma classe social dos meios de produção material da sociedade. Assim, para Bobbio, a norma fundamental não é pressuposta pela razão, mas sim posta pelo poder.


2.5 Fontes do Direito

Para Tércio, quanto às fontes do Direito existe uma clara dicotomia: por uma lado são constituídas pela cultura humana; por outro é dado, é posto pelo próprio sistema.


A questão central para a Teoria das Fontes é descobrir quais são os centros produtores. O Direito não é essencialmente dado, mas uma construção elaborada no interior da cultura humana. Contudo, o Direito como um produto cultural não incorpora a vivência material humana. Cultura, para Tércio, também é fruto de uma concepção apriorística ideal.

Lei é aquilo que emana do poder competente do Estado , pautado pela fonte do "espírito do povo", como é definida por Savigny. Geny, no início do século XX, via as fontes como aspectos dados e como aspectos construídos. Dados eram aqueles elementos materiais (biológicos, psicológicos, fisiológicos, históricos etc); construídos são aqueles que nascem da formalização dos elementos materiais em uma forma técnico-jurídica única, possibilitando a realização do Direito. Para os dois autores, o direito posto dogmaticamente seria a revelação de algo que existe anteriormente, diferindo apenas no que seriam as fontes dessa revelação.

A dicotomia entre o formal e o material, para Tércio, gera o problema de impedir o entendimento do ordenamento jurídico enquanto uma unidade. A crítica à dicotomia leva-o a restringir suas reflexões apenas às estruturas formais do direito posto, excluindo os aspectos materiais. Tércio afirma que o reconhecimento das fontes materiais limitaria o direito a um mero identificador e tradutor dessas fontes.

No sistema jurídico, se houver a admissão do conflito, é preciso aceitar a diversidade das fontes. Essa diversidade cria a necessidade da uniformização das normas, criadas pelas fontes, através das normas de competência.

Para Tércio, a dualidade que essa dicotomia, fontes materiais e fontes formais, coloca gera um processo que abala todo o sistema jurídico: a incerteza e a insegurança. A dualidade agrava o problema da legitimação do próprio sistema.


No século XIX surge uma corrente formalista que começa a entender as fontes do direito unicamente como sendo aquelas ligadas ao Estado. Essa corrente será consolidada no pensamento de Kelsen.

A moderna teoria das fontes surge a partir do fortalecimento do capitalismo e do Estado liberal. Ela garante ao Direito os elementos de segurança e certeza. Hierarquicamente as fontes seriam:

a) Fontes Estatais;

b) Fontes Jurisprudenciais, e

c) Fontes “outras”.

Legislação - meio de formação de normas jurídicas a partir de atos competentes. Essa competência é dada por uma norma competente anterior.

Constituição - lei fundamental de um país; as bases da organização do Estado, que determina a competência para legislar, assim como determina como deve-se dar o processo legislativo. Além disso, também, agrega a declaração dos direitos e garantias individuais. Para Kelsen a Constituição seria apenas as normas de competência e as normas de ingresso.

Lei - é o revestimento formal da norma dentro do ordenamento, conferindo-lhe um caráter jurídico. Por sua vez, o caráter jurídico da lei é dado a partir do processo legislativo necessário e competente.


2.6 Lacunas do Sistema Jurídico

Tércio reconhece que o sistema jurídico apresenta lacunas, não sendo um conjunto fechado que comporta todos os comportamentos humanos. Segundo ele, essa incompletude seria insatisfatória para o funcionamento do próprio sistema, As lacunas poderiam ser classificadas como:

a) Autêntica / Não Autêntica - não existe resposta para a lacuna, ou existe solução mas ela é indesejada.

b) Intencionais / Não Intencionais - há a intenção do legislador que outra pessoa complete a norma, ou lacuna ocorrida apenas por “acidente” ou “descuido” do legislador. Podem ser culpáveis ou desculpáveis.

c) Patente / Latente - patente é quando há a falta da norma para resolver a situação. Latente é quando a norma é ampla demais para resolver a situação.

d) Originais / Posteriores - originais são aquelas surgidas no momento da criação da lei. As posteriores são as que são fruto das modificações da lei.



Introdução ao Estudo do Direito - Apoio


1. Norma e Ordenamento: Validade, Vigência Eficácia e Força


Tércio - Capítulo IV - Teoria do Ordenamento ou Dogmática das Fontes do Direito

Prescrever uma prescrição - ordenar explicitamente, estabelecer a relação jurídica.

Mencionar uma prescrição - descrever a relação jurídica.


A validade da norma é dada pelo ordenamento onde ela está inserida e não por ela em si, nem pela norma fundamental. Assim, a noção de "pirâmide hierárquica" de Klesen é, de certa forma, abandonada por Tércio. Contudo, não basta a norma estar inserida no contexto do sistema jurídico, é preciso também que ela esteja relacionada com o todo. É o conjunto dos relacionamento entre as normas que caracteriza o sistema jurídico enquanto tal.

Hans Kelsen - Teoria Pura do Direito


I. Direito e Natureza


1. A pureza

A formulação de uma "Teoria Pura do Direito" é uma tentativa de desvincula-lo de uma "ideologia política"; de evitar um "sincretismo metodológico" que obscurece a essência da Ciência Jurídica. A Ciência do Direito (parte do pressuposto que é uma ciência) é uma Ciência da Natureza, ou uma Ciência Social, uma vez que o Direito é um fenômeno natural, ou social.


2. O Ato e seu significado jurídico

3. O sentido subjetivo e o sentido objetivo do ato

O Ato Jurídico - é uma ato, que se expressa através de palavras escritas ou faladas, que ele próprio traz seu significado jurídico. Os próprios indivíduos que participam de um ato, antes de qualquer definição, têm consciência que estão participando de uma ato jurídico. O Ato Jurídico só existe na medida em que existe uma Norma, ou um conjunto delas, para dar esse significado. A norma regula a conduta humana, pois só ela pode ser regulada.


4. A Norma

Norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida, ou especialmente facultada a alguém. A norma é o dever-ser e o Ato de Vontade, de que ela se constitui seu sentido, o ser. Norma também é a expressão da vontade de uns sobre a conduta de outros. A palavra dever é usada no sentido de significar um ato intencional dirigido à conduta de outrem. Uma norma pode não só comandar mas também permitir e, especialmente conferir a competência ou poder de agir de certa maneira.

"Dever-ser" é o sentido subjetivo de todo ato de vontade de um indivíduo que intencionalmente visa a conduta de outro. Porém, nem sempre um tal ato tem também objetivamente este sentido. Ora, somente quando esse ato tem também objetivamente o sentido de dever-ser é que designamos de norma. Portanto, para algo ser entendido como uma norma é preciso que tenha o caráter de algo esperado e de algo obrigatório, simultaneamente.

As normas podem ser determinadas através da vontade do legislador que determina qual é a atitude esperada, e obrigatória, para um determinado grupo. Por outro lado, a norma poder nascer de um fato do costume. Os atos socialmente aceitos pela coletividade e repetidos durante um longo tempo passam a se constituir, tacitamente, uma vontade coletiva, cujo sentido subjetivo é um "dever-ser".

Quando se descreve o sentido de uma ato normativo diz-se que com o ato em questão qualquer conduta humana foi preceituada, ordenada, prescrita, exigida, proibida, consentida, permitida ou facultada. A existência de uma norma positiva, a sua vigência, é diferente da existência do ato de vontade de que ela é o sentido objetivo. A norma pode valer (vigir, ser vigente) quando o ato de vontade, de que ela constitui o sentido, já não mais existir.

A vigência de uma norma não implica que ela seja real e efetivamente aplicada e respeitada. Uma norma que nuca, em parte alguma, seja aplicada e respeitada, isto é, uma norma que não é eficaz não poder ser considerada vigente (válida). Uma norma jurídica deixará de ser considerada válida quando permanecer durante muito tempo ineficaz. A eficácia é uma das condições básicas de vigência. Eficácia de uma norma é entendida como sua observância. A vigência de uma norma também refere-se a processos espaço-temporais; a norma refere-se a uma conduta humana em um período de tempo e em um espaço objetivo.

A norma, em certos processos também pode ter força retroativa. Isto é verificado quando ela passa a determinar sanções a atos ilícitos que já ocorreram no passado e que passam a ser punidos a partir de então. Por outro lado, ela pode determinar que certos ilícitos não mais o são e que as sanções a eles não têm mais validade. Exemplificando, o autor refere-se a homicídios praticados legalmente durante o governo nacional-socialista na Alemanha, que depois passaram a se configurar como crime. Uma norma jurídica pode retirar, com força retroativa, a validade de outra norma jurídica editada antes. Dessa forma, os atos de coerção e sanção executados antes percam seu caráter.

A norma também poder ter uma Regulamentação Positiva e uma Regulamentação Negativa. Diz-se que uma norma é positivamente regulada quando a um indivíduo é prescrita a realização ou a omissão de um determinado ato; quando ela ordena, confere poder ou determina comportamentos ou atitudes. Por outro lado, uma conduta é negativamente regulada quando ela não sendo explicitamente proibida também não é positivamente regulada.

O juízo segundo o qual uma conduta é tal como deve ser é um juízo de valor. Caso essa conduta esteja de acordo com uma norma válida diz-se que este é um juízo de valor positivo. Caso contrário, quando a conduta contraria uma norma, diz-se que é um juízo de valor negativo. Qualquer juízo (bom/mau, certo/errado etc.) precisa ter como base a observância das normas. Pela mesma óptica, uma norma não poder ser julgada com esses critérios morais (certa/errada, boa/má, verdadeira/falsa etc.); seu critério de avaliação deve ser se ela é valida ou inválida.

As normas jurídicas são produzidas tendo como base outras normas jurídicas e assim sucessivamente até uma Norma Fundamental. Esta constitui o fundamento da vitalidade dessas normas subseqüentes e que nem sequer é escrita, mas pressuposta pelo pensamento jurídico.


5. A ordem social

A ordem jurídica é uma ordem social. Como tal, pode prescrever uma determinada conduta precisamente por ligar a conduta oposta a uma desvantagem. Ao ser prescrita uma conduta indica que o contrário dela implica em uma sanção. Para uma conduta socialmente desejada apresenta-se o prêmio e a pena; dessa forma, o desejo do prêmio e o receio da pena fazem com que os indivíduos tenham atitudes socialmente desejadas.

As sanções estabelecidas em uma ordem social podem ser transcendentes ou imanentes. As sanções são transcendestes são aquelas que, segundo a crença das pessoas submetidas ao ordenamento, provêm de uma instância superior supra-humana; tal sanção tem caráter totalmente religioso, pois realizam-se fora do mundo, no aquém. Já as sanções imanentes existem sempre vinculadas à realidade social concreta e dão-se no plano existencial-terreno, podendo ser uma simples desaprovação ou um ato específico de punição.


6. A ordem jurídica

Uma teoria do Direito, antes de tudo precisa determinar qual é seu objeto; isto é, o que difere a ordem social jurídica das outras ordens sociais; o que a torna específica. O Direito, mesmo vendo-se outros povos e outras épocas, é basicamente uma ordem de conduta humana. "Ordem" aí entendida como um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento da validade.

A Ordem Jurídica somente regula, de maneira positiva, a conduta de um indivíduo enquanto esta se refira a outro indivíduo, a outros ou a todos os outros indivíduos. Essa conduta poder ser individual (não matar) ou coletiva (o serviço militar obrigatório).

Outras característica da ordem social jurídica é que ela reage contra as situações consideradas indesejáveis com um ato de coação; sendo, portanto uma ordem social coativa. Exige uma determinada conduta na medida que liga a conduta oposta a um ato de coerção dirigido a quem assim se comportou. Tal coerção pode ser de vários tipos (privação da vida, da liberdade, de bens econômicos etc.) e não necessariamente precisa ser física.


(Visto até a página 39: O monopólio da coação da comunidade jurídica)

Introdução ao Estudo do Direito - Prova


O Ordenamento como Sistema e o controle da decisão: importância teórica da questão para a dogmática jurídica.


O processo de decisão jurídica, para uma visão dogmática, é na verdade um processo de opção dentre as alternativas dadas pelo próprio Sistema. Para ter validade jurídica a decisão do conflito não pode fugir aos limites impostos pelo próprio Sistema. O conflito entre dois, ou mais, emissores aciona a coordenação objetiva de um terceiro institucionalizado, com poder de decisão autorizado pelo próprio ordenamento.

Assim, surge, como diz Tércio Sampaio Ferraz, uma “dupla institucionalização”, ou uma “institucionalização fortalecida” : tanto a decisão do conflito quanto o processo decisório dão-se segundo as regras impostas pelo Sistema. A decisão, assim autorizada, tem o poder  de ser definitiva; uma vez proferida ela dá por encerrado o conflito, determinando um comportamento, obrigatório, para as partes. Com a decisão, o poder-jurídico, autorizado pelo Sistema, atua como um controlador do que Tércio chama de poder-força, dando uma solução para os conflitos institucionalizados, em obediência e conformidade às leis.

No processo de decisão, a vinculação entre o fato social, seja ele qual for, e a prescrição dada pela norma não é objetiva. Cabe ao aplicado do Direito, aquele a quem o Sistema autoriza, fazer a subsunção entre o fato social e o que é previsto na norma, qualificando e tipificando esse fato como um fato jurídico. Essa tipificação não é automática; ela é fruto de uma reflexão jurídica. Essa reflexão abre espaço para um certo grau de subjetividade da decisão, uma vez que as próprias normas usam expressões amplas e vagas, providas de conceitos valorativos (“boa-fé”, “honestidade”, “dignidade” etc).

O que de certa forma atenua o problema dessa certa subjetividade da subsunção, sem contudo eliminá-lo, e a prova. A prova fornece um grau de objetividade ao processo decisório, pois demonstra a ocorrência do fato social, criando a possibilidade de objetivação da subsunção. Mas a prova, apesar de referir-se ao fato social, também não é algo externo ao Sistema. É o próprio Sistema que determina o que pode ser aceito como prova; é ele que “confere validade aos procedimentos probatórios”; que autoriza quais fatos podem ser usados como fundamento, e estabelece prazos e condições para a prova.
 

domingo, 17 de abril de 2011

CAPITALISMO E CALVINISMO - QUAL A RELAÇÃO?

A questão de como se relacionam o calvinismo e o capitalismo tem sido objeto de enorme controvérsia, estando longe de produzir um consenso entre os estudiosos. O tema popularizou-se a partir do estudo do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) intitulado A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicado em 1904-1905. Numa tese oposta à de Karl Marx, Weber concluiu que a religião exerce uma profunda influência sobre a vida econômica. Mais especificamente, ele afirmou que a teologia e a ética do calvinismo foram fatores essenciais no desenvolvimento do capitalismo do norte da Europa e dos Estados Unidos.

Weber partiu da constatação de que em certos países da Europa um número desproporcional de protestantes estavam envolvidos com ocupações ligadas ao capital, à indústria e ao comércio. Além disso, algumas regiões de fé calvinista ou reformada estavam entre aquelas onde mais floresceu o capitalismo. Na sua pesquisa, ele baseou-se principalmente nos puritanos e em grupos influenciados por eles. Ao analisar os dados, Weber concluiu que entre os puritanos surgiu um "espírito capitalista" que fez do lucro e do ganho um dever. Ele argumenta que esse espírito resultou do sentido cristão de vocação dado pelos protestantes ao trabalho e do conceito de predestinação, tido como central na teologia calvinista. Isso gerou o individualismo e um novo tipo de ascetismo "no mundo" caracterizado por uma vida disciplinada, apego ao trabalho e valorização da poupança. Finalmente, a secularização do espírito protestante gerou a mentalidade burguesa e as realidades cruéis do mundo dos negócios.
 
Calvino de fato interessou-se vivamente por questões econômicas e existem elementos na sua teologia que certamente contribuíram para uma nova atitude em relação ao trabalho e aos bens materiais. A sua aceitação da posse de riquezas e da propriedade privada, a sua doutrina da vocação e a sua insistência no trabalho e na frugalidade foram alguns dos fatores que colaboraram para o eventual surgimento do capitalismo. Mesmo um crítico contundente da tese de Weber como André Biéler admite: "Calvino e o calvinismo de origem contribuíram, certamente, para tornar muito mais fáceis, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida econômica e o surto do capitalismo nascente" (O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 661). 
Todavia, esse e outros autores têm ressaltado como a ética e a teologia do reformador divergem radicalmente dos excessos do capitalismo moderno. Por causa das difíceis realidades econômicas e sociais de Genebra, Calvino escreveu amplamente sobre o assunto. Ele condenou a usura e procurou limitar as taxas de juros, insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Ele defendeu a justa remuneração dos trabalhadores e combateu a especulação financeira e a manipulação dos preços, principalmente de alimentos.

Embora considerasse a prosperidade um sinal da bondade de Deus, ele valorizou a pessoa do pobre, considerando-o um instrumento de Deus para estimular os mais afortunados à prática da generosidade. A tese de que as riquezas são sinais de eleição e a pobreza é sinal de reprovação é uma caricatura da ética calvinista. Para Calvino, a propriedade, o lucro e o trabalho deviam ser utilizados para o bem comum e para o serviço ao próximo. 
Em conclusão, existe uma relação entre o calvinismo e o capitalismo, mas não necessariamente uma relação de causa e efeito. Provavelmente, mesmo sem o calvinismo teria surgido alguma forma de capitalismo. Se é verdade que a teologia e a ética reformadas se adequavam às novas realidades econômicas e as estimularam, todavia, o tipo de calvinismo que mais contribuiu para fortalecer o capitalismo foi um calvinismo secularizado, que havia perdido de vista os seus princípios básicos. Entre esses princípios está a noção de que Deus é o Senhor de toda a vida, inclusive da atividade econômica, e, portanto, esta atividade deve refletir uma ética baseada na justiça, compaixão e solidariedade social.
FONTE: http://www.monergismo.com/textos/calvinismo/calvinismo_alderi.htm 

A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO

De acordo com Max Weber, sociólogo alemão nascido no século XIX, o rigor moral da religião calvinista, que rivalizou com o luteranismo o posto de segmento majoritário do movimento de Reforma Protestante, é o embrião do capitalismo que foi conhecido no mundo. A isto se devem alguns fatores. Em primeiro lugar, Weber enxerga na doutrina da predestinação, um dogma essencial do calvinismo, a base do individualismo típico e necessário ao capitalismo, pois como o indivíduo não deve esperar pela mediação da Igreja para obter o favor de Deus, conforme as postulações da teologia católica, mas, pelo contrário, ele só pode contar com a graça divina, não havendo meios externos de aproximação com a divindade, então, para se assenhorear da certeza da salvação, o homem precisa identificar em si as evidências da eleição, procurando, assim, na atividade profissional, em cumprimento de sua vocação, as mesmas, pois, de acordo com Weber, o êxito profissional seria uma das maneiras distintas de se identificar a própria eleição.

Outro aspecto importante nos argumentos de Max Weber é de que não só a preocupação dos calvinistas era com a própria salvação, embora fosse este, de fato, o seu núcleo dominante, pois o homem medieval era intensamente aflito com a questão do destino eterno de sua alma, mas, além disso, havia também a ênfase reformada na glória de Deus, manifestada por meio da agência dos eleitos no mundo. Destarte, os calvinistas, de acordo com Weber, lançavam-se em seus trabalhos, não só para confirmar o próprio chamado ao Reino de Deus, mas também queriam ver este Reino se estabelecendo sobre o mundo e tal processo somente seria viável mediante a militância engajada dos eleitos. O mundo, então, deveria refletir o Reino de Deus. Os valores do alto deveriam ser impressos na sociedade. Assim, a cultura, a política, a economia, a educação, a família, o trabalho deveriam sinalizar tais valores e é neste contexto de reflexão que o empenho dos calvinistas foi derramado.


À medida que a sociedade se tornasse cada vez mais próspera e justa, Deus, seria exaltado. É a prática do postulado "Soli Deo Glória", em que os calvinistas compreendiam que tudo o que fazemos, pensamos e ansiamos tem como meta na vida à Glória de Deus. Weber identifica neste item uma força que impulsionava a ética calvinista e que também faz parte do nascedouro do capitalismo.

Em terceiro lugar, Weber Identifica na desconfiança calvinista acerca das emoções e sentimentos humanos outro aspecto que contribuiu para o capitalismo, pois tais subjetividades poderiam produzir um mascaramento da realidade e das prioridades do homem. Portanto, a objetividade racional era fortemente recomendada por Calvino, segundo Weber. Esta austeridade levou a uma inevitável descarga sobre as atividades que fossem objetivas. Tudo que distraísse a atenção deveria ser evitado, pavimentando o fluxo de nossa vida ao empreendedorismo tão valorizado nas potências capitalistas modernas.

Para Weber, o calvinismo foi uma forma criativa de asceticismo, porquanto era uma ascese moral, pois não implicava na retirada do eleito do mundo, conforme o monasticismo católico pontificava. Era uma ascese das preferências e prioridades identificadas e tinham como finalidade a transformação do mundo para a glória de Deus. Diferentemente dos monges medievais que se enclausuravam nos mosteiros para o serviço de Deus, o calvinismo, nas considerações de Max Weber, propunha uma separação não física do mundo, mas sim, e apenas, moral, pois nele (no mundo) serviriam a Deus, afastando-se do que fosse frívolo e desnecessário, mas, ao mesmo tempo, engajado nele, buscando, através do trabalho árduo e sistemático, a sua transformação.

De acordo com o sociólogo alemão, a doutrina da predestinação, a ênfase no mandato cultural para a glória de Deus e a austeridade de vida, compuseram as poderosas forças gravitacionais que agiram sobre o homem a partir do século XVI, contribuindo para a formação de uma nova ordem econômica: o capitalismo. E por quê?

Primeiro, porque o capitalismo enfatiza o self mad mam, isto é o homem que não depende de ninguém, mas que se faz sozinho. A ênfase na justificação pela fé somente, que vem a nós, somente pela graça soberana de Deus aos predestinados, tornou o homem solitário e único no seu encontro com Deus. Essa responsabilidade individual, não mediada por sacerdotes ou pela igreja, esboça o sentimento de dever que o homem tem para com o seu destino, não dependendo ou esperando por ninguém. O self mad mam capitalista é o homem que tem o seu destino na mão. Não depende de instituições. Não depende de sua família. Não depende do Estado. Ele é responsável. Sua salvação econômica e social não pode ser mediada. O seu destino e progresso dependerão de seu próprio desempenho, somente. Esta postura capitalista, ou melhor, este espírito capitalista, Max Weber enxergou no protestantismo, especialmente no protestantismo calvinista.

Além disso, a ênfase no trabalho para a glória de Deus deixou como herança ao capitalismo que a atividade profissional, especialmente a comercial, era digna. Tão digna que Deus a recebia como louvor à sua honra. O fruto da atividade comercial, o lucro, tão mal visto por círculos católicos à época (de acordo com alguns comentaristas), foi elevado à categoria de nobre e através de seu ganho a sociedade podia ser mantida. O lucro era a resposta de Deus à vocação bem empenhada. Nada mais justo. Esta dignidade do empreendimento comercial e do lucro seria especialmente válida para a semeadura do capitalismo nas nações protestantes, embora seja contestada a idéia de que Calvino realmente tenha ensinado isso e o próprio Trevor-Roper declara que Max Weber tampouco colocou tal sentença na pena de João Calvino. Mas, apesar de tais contestações, não nos surpreenderia se esta representasse um desdobramento posterior das idéias do reformador de Genebra por parte de alguns.

Finalmente, a austeridade permitiu uma concentração das forças produtivas na livre empresa. Já que as emoções, os sentimentos, as amizades, as festas eram vistas como sendo descontroles, distrações e desperdícios, toda a energia da vida, então, foi canalizada para o trabalho, o único dever real do homem, o que fortaleceu a atividade econômica.


Apesar da lucidez e da atração que as idéias de Max Weber podem exercer, contudo, estão longe de serem consensuais. Há outras idéias e tentativas de responder sobre a origem do capitalismo e se há de fato alguma relação de seu embrião histórico com a Reforma Protestante. É o que veremos mais adiante.

FONTE: http://www.artigonal.com/evangelho-artigos/calvinismo-e-capitalismo-analise-das-ideias-de-max-weber-e-hr-trevor-roper-2244441.html
 
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