quarta-feira, 23 de março de 2011

A CARREIRA ABERTA AO TALENTO - ERIC HOBSBAWM - ANÁLISE


“As instituições formais derrubadas ou criadas por uma revolução são fáceis de distinguir, mas não dão a medida de seus efeitos.” (HOBSBAWM, 2000a, p.203). 

Partindo desta afirmativa, Hobsbawm constata que o principal resultado da Revolução Francesa foi o de por fim à sociedade aristocrática, aqui entendida como aquela que elege como valor fundamental o nascimento, a origem nobiliárquica. A sociedade da França pós-revolucionária era burguesa em sua estrutura e em seus valores, era a sociedade do “homem que se fazia por si mesmo.”

Nas palavras do autor:
"A realização crucial das duas revoluções foi, assim, o fato de que elas abriram carreiras para o talento ou, pelo menos, para a energia, a sagacidade, o trabalho duro e a ganância. Não para todas as carreiras, nem até os últimos degraus superiores do escalão, exceto talvez nos Estados Unidos. E, ainda assim, como eram extraordinárias as oportunidades, como estava afastado do século XIX o estático ideal hierárquico do passado! O  conselheiro de Estado Von Schele, do Reino de Hanover, que recusou o pedido de um jovem e pobre advogado para um cargo no governo, com base no fato de que seu pai era um encadernador de livros e que, assim sendo, ele deveria se ater àquele ofício, parecia agora odioso e ridículo."

"Ainda assim, ele nada mais estava fazendo senão repetir a ultrapassada sabedoria proverbial da estável sociedade pré-capitalista, e, em 1750, o filho de um encadernador de livros teria, com toda probabilidade, se agarrado ao ofício do pai. Agora não era mais obrigado a fazê-lo."
(HOBSBAWM, 2000a, p.211).

De acordo com Hobsbawm, havia quatro caminhos passíveis de serem seguidos por um jovem, como o descrito acima, no mundo pós-revolucionário: os negócios; a educação (que, por sua vez, poderia levar ao funcionalismo público, à política e às profissões liberais); as artes e a guerra. Mas, nem os negócios, nem a educação, eram grandes estradas abertas para todos, na medida em que sem alguns recursos iniciais, ainda que mínimos, era praticamente impossível se enveredar por estes caminhos. O caminho da educação apresentava ainda mais  dificuldades que o dos negócios, pois até mesmo nos países que adquiriram um sistema público de ensino, a educação primária era muito negligenciada.

"É curiosa a observação do autor, segundo a qual, mesmo sendo o ensino um caminho mais intricado que o dos negócios, ele parecia ser mais atraente. Isto se devia ao fato de que a educação exigia uma revolução muito menor nos hábitos e modos de vida dos homens, que passavam por uma fase de transição e construção de novos costumes. Os estudos não eram tão anti-sociais como pareciam ser tão claramente os negócios. “O homem instruído não se voltaria automaticamente para dilacerar seu semelhante da mesma forma desavergonhada e egoísta com que faria o comerciante ou o empregador.” (HOBSBAWM, 2000a, p.212).

"Entretanto, em certo sentido, a educação representava, tanto quanto os negócios, a competição individualista, a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e os parentescos, através do instrumento do exame competitivo. Claro está que a carreira mais francamente aberta ao talento era mesmo a dos negócios, e em uma economia que se expandia rapidamente, as oportunidades de negócios eram cada vez maiores. A pequena escala de muitas empresas, a predominância dos subcontratos, das vendas e compras modestas tornavam os negócios relativamente fáceis. Ainda assim, nem as condições materiais, sociais, ou culturais eram propícias para os pobres. Em primeiro lugar – um fato constantemente desprezado pelos bem-sucedidos – a evolução da economia industrial dependia de se criar mais depressa trabalhadores assalariados do que empregadores ou empregados autônomos. Para cada homem que ascendia no mundo dos negócios, um grande número necessariamente descia. Em segundo lugar, a independência econômica exigia qualificações técnicas, atitudes de espírito, ou recursos financeiros (mesmo que modestamente) que a maioria dos homens e mulheres não possuía. Os que tinham a sorte de possuí-los – por exemplo, os membros de certas minorias religiosas ou seitas, cuja aptidão para tais atividades é bem conhecida pelos sociólogos – poderiam sair-se bem." (HOBSBAWM, 2000a, p.216).

De fato, a carreira estava aberta ao talento de qualquer espécie. O mundo ganhava a possibilidade da mobilidade social, inexistente no medievo. Mas estava inteiramente fora da realidade esperar que os que não possuíam certas condições, como recursos financeiros ou instrução, conseguissem competir com aqueles que as possuíam. Reconstruía-se, assim, uma sociedade pautada na igualdade puramente formal.

Depreende-se da leitura integral do capítulo que aqui o autor parece se referir, principalmente, aos judeus, que ganharam destaque com a abertura da carreira a qualquer espécie de talento. Até então, eles eram tidos como minoria excluída da eminência, não somente por não serem bem nascidos, mas também por sofrerem uma discriminação coletiva e oficial.


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